
Dispensacionalismo
Pode ser difícil sumarizar a teologia dispensacionalista como um todo,
pois nos últimos anos têm se desenvolvido múltiplas formas da mesma. Em
geral, há três distintivos principais.
Primeiro, o dispensacionalismo vê Deus como estruturando seu
relacionamento com a humanidade através de vários estágios de revelação,
que delimitam diferentes dispensações, ou arranjos de administração.
Cada dispensação é um “teste” da humanidade para ser fiel à revelação
particular dada naquele tempo. Geralmente, sete dispensações são
distinguidas: inocência (antes da queda), consciência (Adão a Noé),
promessa (Abraão a Moisés), Lei (Moisés a Cristo), graça (Pentecoste ao
arrebatamento), e o milênio.
Segundo, o dispensacionalismo sustenta uma interpretação literal da
Escritura. Isto não nega a existência de figuras de linguagem e
linguagens não-literais na Bíblia, mas antes, significa que há um
significado literal por detrás das passagens figuradas.
Terceiro, como resultado desta interpretação literal da Escritura, o
dispensacionalismo sustenta uma distinção entre Israel (até mesmo o
Israel crente) e a igreja. Nesta visão, as promessas feitas a Israel no
AT não foram pretendidas como profecias sobre o que Deus faria
espiritualmente para a igreja, mas seria literalmente cumprida pelo
próprio Israel (principalmente no milênio). Por exemplo, a promessa da
terra é interpretada como significando que um dia Deus restaurará
plenamente Israel à Palestina. Em contraste, os não-dispensacionalistas
tipicamente vêem a promessa da terra como pretendida por Deus para
profetizar, na forma obscura do antigo pacto, a grande realidade de que
ele um dia faria da igreja inteira, judeus e gentios, herdeiros de todo
o mundo renovado (cf. Romanos 4:13).
Assim, em muitas formas é correto dizer que o dispensacionalismo crê em
“dois povos de Deus”. Embora tanto judeus como gentios sejam salvos por
Cristo através da fé, o Israel crente será o recipiente das promessas
“terrenas” adicionais (tais como prosperidade na terra específica da
Palestina, a ser concretizada plenamente no milênio) que não se aplicam
aos gentios crentes, cuja herança primária, dessa forma, é
“celestial”.
Teologia do Pacto
A teologia do pacto crê que Deus tem estruturado seu relacionamento com
a humanidade por pactos, ao invés de dispensações. Por exemplo, na
Escritura lemos explicitamente de vários pactos funcionando como
estágios na história redentora, tais como o pacto com Abraão, a entrega
da lei, o pacto com Davi, e o novo pacto. Esses pactos pós-queda não
são novos testes da fidelidade do homem a cada novo estágio de
revelação (como são as dispensações no dispensacionalismo); antes, são
administrações diferentes do único e abrangente pacto da graça.
O pacto da graça é um dos dois pactos fundamentais na teologia do
pacto. Ele estrutura o relacionamento pós-queda de Deus para com a
humanidade; antes da queda, Deus estruturou seu relacionamento pelo
pacto das obras. O pacto da graça é mais bem entendido na relação com o
pacto das obras.
O pacto das obras, instituído no Jardim do Éden, foi a promessa de que a
obediência perfeita seria recompensada com a vida eterna. Adão foi
criado sem pecado, mas com a capacidade para cair no pecado. Tivesse
ele permanecido fiel na hora da tentação no Jardim do Éden (o “período
probatório”), ele se tornaria incapaz de pecar e teria assegurado uma
eterna e inquebrável posição correta diante de Deus.
Mas Adão pecou e quebrou o pacto, e através disso, sujeitou a si mesmo e
todos os seus descendentes à penalidade da quebra do pacto: a
condenação. Portanto, Deus, em sua misericórdia, instituiu o “pacto da
graça”, que é a promessa de redenção e vida eterna àqueles que creriam
no Redentor (vindouro). O requerimento da obediência perfeita para a
vida eterna não é anulada no pacto da graça; pelo contrário, ele é
cumprido por Cristo em favor do seu povo, visto que agora todos são
pecadores, e ninguém pode satisfazer a condição de obediência perfeita
por seu próprio desempenho. O pacto da graça, então, não coloca o pacto
das obras de lado; antes, ele o cumpre!
Como mencionado acima, a teologia do pacto enfatiza que há somente um
pacto da graça, e que todos os vários pactos redentores sobre os quais
lemos na Escritura são simplesmente administrações diferentes deste
único pacto. Como prova, é apontado que um pacto é em essência
simplesmente uma promessa dada soberanamente (frequentemente com
estipulações), e visto que há somente uma promessa de salvação (a
saber, pela graça através da fé), segue-se que há, portanto, somente um
pacto da graça. Todos os pactos redentores específicos sobre os quais
lemos (o Abraâmico, Mosaico, etc.) são várias e progressivas expressões
do pacto da graça.
Teologia da Nova Aliança [Pacto]
A teologia da nova aliança tipicamente não sustenta um pacto das obras
ou um pacto da graça abrangente (embora eles ainda argumentem em favor
de um único caminho de salvação). A diferença essencial entre a
Teologia da Nova Aliança (daqui em diante TNA) e a Teologia do Pacto
(TP), contudo, diz respeito à Lei Mosaica. A TP sustenta que a Lei
Mosaica pode ser dividida em três grupos de lei – aquelas regulando o
governo de Israel (leis civis), as leis cerimoniais e as leis morais. A
lei cerimonial e a civil não mais estão em vigor, pois a primeira foi
cumprida por Cristo e a última aplicava-se somente à teocracia de
Israel, que agora não existe mais. Mas a lei moral continua.
A TNA argumenta que ninguém pode dividir a lei dessa forma, como se
parte da Lei Mosaica pudesse ter sido ab-rogada e o restante ainda
permanece em vigor. A Lei Mosaica é uma unidade, dizem eles, e assim,
se parte foi cancelada, tudo dela foi cancelado. Em adição, eles dizem
que o Novo Testamento ensina claramente que a Lei Mosaica como um todo
foi substituída em Cristo. Em outras palavras, ela não mais é nossa
fonte direta e imediata de orientação. A Lei Mosaica, como uma lei, não
mais é obrigatória para o crente.
Isto significa que os crentes não são mais governados por alguma lei
divina? Não, pois a Lei Mosaica foi substituída pela lei de Cristo. A
TNA faz uma distinção entre a lei moral eterna de Deus e o código no
qual Deus expressa essa lei para nós. A Lei Mosaica é uma expressão da
lei moral eterna como um código particular que também contém
regulamentações positivas pertinentes ao propósito temporal particular
do código, e, portanto, o cancelamento da Lei Mosaica não significa que
a lei moral eterna em si foi cancelada. Antes, no cancelamento da Lei
Mosaica, Deus nos deu uma expressão diferente da sua lei moral eterna –
a saber, a Lei de Cristo, consistindo nas instruções morais do ensino
de Cristo e do Novo Testamento. A questão chave que a TNA procura
levantar é: Para onde olhamos para ver a expressão da lei moral eterna
de Deus hoje – para Moisés, ou para Cristo? A TNA diz que devemos olhar
para Cristo.
Há muitas similaridades entre a Lei de Cristo e a Lei Mosaica, mas isto
não muda o fato de que a Lei Mosaica foi cancelada e que, portanto, não
devemos olhar para ela a fim de conseguir orientação direta, mas antes
para o Novo Testamento. Por exemplo, a Inglaterra e os Estados Unidos
possuem leis similares (por exemplo, o assassinato é ilegal em ambos os
paises). Todavia, os ingleses não estão sob as leis da América, mas da
Inglaterra. Se um cidadão inglês assassina na Inglaterra, ele é
culpado por quebrar uma lei da Inglaterra contra o assassinato, não uma
lei Americana.
O benefício da TNA, argumentam seus defensores, é que ela soluciona a
dificuldade de tentar compreender quais das leis de Moisés se aplicam
hoje. Sobre o entendimento deles, visto que a Lei Mosaica não é mais
uma fonte de orientação direta e imediata, devemos olhar para a Lei de
Cristo a fim de obter nossa orientação direta. Embora a Lei Mosaica não
seja mais um código de lei obrigatório na era do NT, ela ainda tem a
autoridade, não de lei, mas de testemunho profético. Como tal, preenche
e explica certos conceitos tanto na lei do antigo como do novo pacto.
A posição de John Piper
John Piper tem algumas coisas em comum com cada uma destas visões, mas
não se classifica dentro de qualquer um desses três campos.
Provavelmente ele está mais longe do dispensacionalismo, embora
concorde com o mesmo de que haverá um milênio.1
Muitos dos seus heróis teológicos eram teólogos do pacto (por exemplo, a
maioria dos Puritanos), e ele vê certo mérito no conceito de um pacto
das obras pré-queda, mas ele não tomou uma posição sobre o conceito
especifico deles do pacto da graça.
Com respeito às suas visões sobre a Lei Mosaica, ele parece estar mais
próximo da teologia da aliança do que da teologia do pacto, embora uma
vez mais isso não quer dizer que ele se enquadre precisamente dentro
desta categoria.
Recursos Adicionais
Sobre teologia do pacto:
- O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos (Editora Cultura Cristã)
- Confissões de Fé de Westminster, capítulo 7
- Louis Berkhof, Teologia Sistemática (Editora Cultura Cristã)
- Charles Hodge, Teologia Sistemática (Editora Hagnos)
- Os Pactos: A Estrutura da Redenção
Sobre dispensacionalismo:
- Craig Blaising e Darrell Bock, Progressive Dispensationalism [Dispensacionalismo Progressivo]
- Vern Poythress, Understanding Dispensationalists [Entendendo os Dispensacionalistas]
Sobre teologia da nova aliança:
- Sound of Grace
- What is New Covenant Theology?
- John Reisenger, Abraham's Four Seeds [As Quatro Sementes de Abraão]
- Tom Wells and Fred Zaspel, New Covenant Theology: Description, Definition, Defense [Teologia da Nova Aliança: Descrição, Definição, Defesa]
Sobre uma teologia bíblica da Lei Mosaica:
- Tom Schreiner, The Law and Its Fulfillment [A Lei e Seu Cumprimento]
- Frank Thielman, Paul & the Law [Paulo & a Lei]
- Wayne Strickland, ed., Five Views on Law and Gospel [Cinco Visões sobre Lei e Evangelho]2
1
Nota do tradutor: Certamente todas as posições defendem a existência
de um milênio. Contudo, no caso do milênio do dispensacionalismo, o
mesmo é literal em sua duração e terreno em sua natureza.
2 Nota do tradutor: Este livro foi lançado pela Editora Vida: “Lei e Evangelho” (Coleção Debates Teológico), organizado por Wayne Grudem.
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