VOLTA À BARBARIE

Heródoto Barbeiro

Uma empresa americana promoveu recentemente mais um espetáculo de MMA, ou artes multimarciais. Duas crianças de oito anos disputavam a luta, uma delas bastante machucada no rosto. O árbitro suspendeu a luta porque uma começou a chorar, o que provocou a imediata intervenção do médico para decidir de o garoto poderia ou não continuar lutando.

As fotos foram divulgadas no drudgereport.com, com o título que apesar de usar crianças o “esporte” é considerado legal. Essa luta nada tem a ver com as artes marciais, geralmente de origem asiática, que estão amparadas no respeito ao adversário, na filosofia, na construção da ética e do caráter.

Por isso elas estão incluídas nos Jogos Olímpicos ou Pan-Americanos. Judô, caratê, taekwondo e a africana capoeira não machucam o adversário, nem ele é convertido em um inimigo que deve ser derrotado a qualquer custo. O MMA nada tem a ver com isso, ainda que possa usar técnicas advindas dessas artes ou mesmo do jiu-jítsu e de outras lutas.

Recentemente foi disputado no Brasil uma dessa lutas. Dois homens espancaram-se barbaramente, tiveram os seus rostos desfigurados por socos e ponta pés. Uma rede de televisão se prestou para por ano ar o espetáculo que era o renascimento do Circo Romano, em cores e HD. Milhares de jovens, adultos, crianças, pais, avós ficaram acordados até de madrugada para não perder a luta.

Não precisaram ir ao Coliseu, porque ele veio até as suas casas através de uma transmissão de TV aberta. É provável que quando um deles caiu desfalecido e sangrando muito, as plateias nas poltronas de suas casas gritaram “mata, mata”, e posicionaram o polegar para baixo, como na velha Roma.

Artistas, ricaços, políticos, celebridades de todo jaez, modelos femininos e masculinos, gente fina lotaram as dependências da arena no Rio de Janeiro. Muitos jornalistas lá estavam com as despesas de viagem, hospedagem e boca livre bancadas pelos organizadores do combate.

Ao lado da barbárie estava a sociedade representada pelos que cultuam fortes emoções. Foi o ressurgimento do panem et circencis , agora muito mais sofisticado.

“O mérito, segundo a mídia esportiva, é que o “campeonato” girava milhões de dólares e houve um recorde de audiência na TV”. Todos vibraram com a demonstração que o ser humano aprendeu muito pouco ao longo de uma estrada que tem pelo menos 2.500 anos de “ civilização”. Ainda gostam de ver sangue rolando, mas não na ficção de um filme ou em um jogo eletrônico.

O combate ao vivo, com ferimentos e sangramentos é mais emocionante e acirra as sensações bestiais da alguns. Certamente o MMA não é o melhor exemplo para as crianças e jovens. Eu não ficaria surpreso se surgissem “academias” de MMA e a promoção de lutas semelhantes nas cidades, ou em bairros.

De uma forma furtiva, como as rinhas de galo que ainda existem ilicitamente, ou os rodeios que existem licitamente. Contudo nada se compara com a estupidez do MMA e sua transmissão pela TV. O Ministério Público poderia intervir e, pelo menos, provocar uma discussão na sociedade, para que pessoas de bom senso debatessem a liberação.

Entidades defensoras da cidadania como a OAB, CNBB e outras deveriam se manifestar e arguir na Justiça se esses espetáculos são lícitos. No campo da moral, da ética, do respeito ao ser humano certamente não são.

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