Joelson Gomes
IV- A FORMA DAS PURIFICAÇÕES COM ÁGUA DO ANTIGO TESTAMENTO.
Tendo estabelecido que a origem do batismo de João se encontra nas purificações judaicas prescritas na Lei do Antigo Testamento, e que este batismo continuou sendo visto pelos crentes do Novo Testamento como sinal de purificação, cabe agora determinar como eram feitas estas purificações dos judeus. Isto é necessário para se chegar à forma precisa como João Batista administrava sua cerimônia. João imergia ou aspergia as pessoas?
a) A água tinha uma importância vital no cotidiano dos judeus, e na Lei havia muitas purificações com água estabelecidas. Charles Hodge escreve sobre as pessoas que João batizava: “Neste aspecto, o batismo era conhecido e praticado desde há muito tempo... Provavelmente, quase todos se haviam batizado muitas vezes ou haviam visto muitos outros serem batizados e, portanto, não podiam sentir qualquer preocupação especial ao fato em si.” [1]
E sobre a forma como eram administradas estas purificações judaicas, Hodge acrescenta que “não se pode dar sequer um só exemplo de que se exigisse do judeu a imersão em água, ou que fosse submerso em cumprimento a alguma cerimônia religiosa regular ou feita em qualquer ocasião”. [2]
Ainda existe algo muito importante a ser levado em conta nestas cerimônias de purificação com água, feitas pelos judeus no Antigo Testamento é o seguinte:
1- Havia um tipo de purificação ritual com água em que a própria pessoa se purificava e nesses casos era prescrito um lavamento/banho ritual para o indivíduo. Por exemplo:
Ø Aquele que se purifica lava suas vestes, raspa todos os cabelos, lava-se (רָהַץ= rahatz) na água e então está puro; em seguida dirige-se ao acampamento, mas permanece sete dias fora da sua tenda; no sétimo dia raspa todos os pêlos, cabeça, barba e as sobrancelhas; raspa todos os pêlos, lava suas vestes, lava (רָהַץ= rahatz ) seu corpo na água e então está puro (Lv. 14:8-9, TEB).
Ø Quem tocar o corpo do homem afetado de corrimento deve lavar suas vestes, lavar- se ( רָהַץ= rahatz ) na água, e será impuro até a tarde. Se o homem atingido de corrimento cuspir sobre alguém que é puro, este deve lavar suas vestes, lavar-se (רָהַץ = rahatz) na água, e será impuro até a tarde (Lv. 15:7-8, TEB).
Ø Quando um homem expeliu o sêmen, deve lavar (רָהַץ= rahatz ) o corpo inteiro na água e é impuro até a tarde; (Lv. 15:16, TEB).
Em todas estas passagens citadas, e ainda em passagens tais como: Lv. 15:10, 11, 13, 18, 22, 27, é usado o verbo רָהַץ (rahatz) que é traduzido por lavar-se, e significa realmente: lavar o corpo humano, ou parte dele (Gn. 18:4; 43:31; Dt. 21:6), lavar alimentos (Ex. 29:17; Lv. 1:9). E às vezes é usado metaforicamente para significar: lavar as mãos em inocência, declarar a si mesmo inocente (Sl. 26:6; 73:13), mas em lugar algum a palavra tem implicações de imersão, ou significa imergir.[3]
b) Mas, havia um segundo tipo de purificação que era quando a cerimônia era feita por alguém, sobre outra pessoa ou objetos, com o objetivo se purificá-lo, e para este tipo a forma é sempre aspersão (נָזָה = nazah)[4]. Por exemplo:
b.1.) Havia aspersão feita com sangue (Êx. 24:8; 29:21; Lv. 16:14, 15, 19);
b.2.) Havia aspersão feita com óleo (Lv. 8:10-11);
b.3.) Havia aspersão feita com azeite (Lv. 14:27);
b.4.) Havia aspersão feita com água (Nm. 8:5-7; 19:18-19, 21).
Era com esse segundo tipo de cerimônia que se entendia nos tempos bíblicos o ato purificador de Deus sobre uma pessoa. Deus aspergia para purificar. Pois, quando se passa da Lei Mosaica para outras partes do Antigo Testamento, encontra-se o mesmo entendimento a respeito da cerimônia de purificação feita por alguém (no caso Deus) sobre a pessoa. Deus asperge e limpa. Nota-se assim que o ato da aspersão passou a ser o símbolo geral para a purificação no Antigo Testamento. Por exemplo:
c- Nos Livros Proféticos encontram-se passagens que mostram que os profetas bíblicos, quando queriam falar da purificação feita por Deus, continuavam a entender que o modo dEle purificar era aspergindo, e não imergindo.
... de igual modo ele aspergirá (נָזָה =nazah) muitas nações, e reis calarão a boca por causa dele. Pois aquilo que não lhes foi dito verão, e o que não ouviram compreenderão (Is. 52:15, NVI).
Aspergirei (זַרָק = [zarak]: espalhar, aspergir)[5] água sobre vocês e ficarão puros; eu os purificarei de todas as suas impurezas e de todos os seus ídolos (Ez. 36:25, NVI).
d- Nos livros poéticos também temos exemplo de como o ato de purificação feito por Deus era entendido no seu tempo.
Purifica-me com hissopo, e ficarei limpo; lava-me, e ficarei mais alvo que a neve (Sl. 51:7, grifo meu).
Sobre este texto Dereck Kidner observa:
Purifica-me com hissopo é como uma alusão à purificação do leproso, aspergido sete vezes com o sangue sacrificial no qual foi molhado um ramo de hissopo como borrifador (Lv. 14:6-7); ou pode se referir ao ritual para purificação daqueles que tiveram algum contato com um defunto (Nm. 19:16-19).[6]
Portanto, a aspersão feita por alguém sobre outra pessoa ou objeto está firmemente estabelecida como termo geral para purificação em todas as partes do Antigo Testamento, onde a cerimônia é mencionada, enquanto que há um silêncio significativo acerca da imersão, seja em rio, lago, ou tanque, como ato purificador.
[1] O Batismo Cristão. Imersão ou Aspersão? pp. 14-15.
[2] Ibid, p. 16.
[3] Veja para o significado desta palavra, TREGELLES, Samuel Prideaux. Gesenius Hebrew and Chaldee Lexicon (Grand Rapids: Eerdmans, 1954), p. 766; e
[4] Para definição da palavra נָזָה =nazah vd. TREGELLES, Samuel Prideaux. p. 255; e ROY, W.L. p. 503.
[5] Para a definição de זַרָק = zarak veja: ROY, W.L. p. 224.; TREGELLES, Samuel Prideaux. p. 255.
[6] Salmos 1 - 72, Introdução e Comentário (São Paulo: Vida Nova, 2004), p. 213 (Grifos dele itálicos meus).
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