O que houve com os fones de ouvido? Ou até mesmo com os intra-auriculares, seus discretos sucessores?
Desde o advento do iPhone, parece-me que mais e mais pessoas projetam
suas músicas no ambiente ao seu redor, em vez de nos seus ouvidos. Eu
vejo isso – aliás, eu ouço – em todo lugar: na academia, no aeroporto,
no açude perto de casa em torno do qual caminho. Eu constantemente me
deparo com as bolhas pessoais de Beyoncé ou Bieber de outras pessoas.
Eu poderia falar sobre como as tecnologias, a exemplo dos pequenos
alto-falantes, apenas revelam a autoabsorção já presente no coração, mas
não o farei. Em vez disso, há uma parábola aqui que eu desejo
investigar, uma parábola que retrata a diferença entre como nós tendemos
a ouvir música individualmente e como nós deveríamos lidar com a música
na igreja.
Trilhas sonoras personalizadas
Essas esferas musicais projetadas retratam o fato de que, para muitas
pessoas hoje, a música serve como um tipo de trilha sonora
personalizada para as nossas vidas.
Por que você escuta as músicas que escuta? As razões são,
provavelmente, multifacetadas e, algumas vezes, subconscientes. Em
alguma medida, as escolhas estéticas da maioria das pessoas são
intuitivas: você gosta porque gosta. Mas preferências musicais também
são influenciadas pelo lugar onde você cresceu, o que seus pais
costumavam ouvir, o que seus pais proibiam você de ouvir, e –
especialmente –, o que seus amigos ouvem. E essas preferências podem
mudar ao longo do tempo de maneiras radicais ou discretas.
O que você ouve também depende de como você se sente e de como você
deseja se sentir. Se você estiver deprimido, uma música melancólica pode
levá-lo à catarse. Se estiver fazendo exercícios, você quer manter seu
sangue bombeando a todo vapor. Está-se trabalhando ou estudando, você
provavelmente quer uma música que irá afastar as distrações, sem se
tornar ela mesma uma distração.
E o que você ouve depende da companhia presente. Daí vêm as brigas eternas, em algumas famílias, pelo controle do som do carro.
Qual é a grande questão aqui? Na modernidade ocidental tardia, e cada
vez mais pelo resto do mundo, a música funciona para muitos como uma
trilha cinematográfica. Ela indica o nicho cultural das personagens,
estabelece o humor, e intensifica a ação.
Que a música funcione desse modo é mais ou menos um fato da vida
hoje, mas não é um fato da natureza. O consumo personalizado de música é
possível apenas por causa da tecnologia e das estruturas comerciais que
a viabilizam. Grosso modo, antes do advento da mídia de massa, a
experiência musical da maioria das pessoas era exatamente como a de
todos os seus vizinhos: eles ouviam e cantavam as canções do seu povo.
As pessoas costumavam sussurrar canções populares, a herança comum de
várias gerações, enquanto aravam o campo e assavam o pão. Em contraste, a
cornucópia de opções que caracteriza o consumo musical de nossos dias é
uma novidade do capitalismo avançado.
Isso não o torna errado. Mas significa que nós deveríamos atentar
para alguns instintos programados pelo hábito do consumo personalizado e
que podem precisar ser desprogramados quando entramos na igreja no
domingo de manhã.
Domingo de manhã
Por quê? Porque a música na igreja está ali com um propósito bem diferente daquele pelo qual ela está em nossos iPhones.
Em Colossenses 3.16, Paulo escreve: “Habite, ricamente, em vós a
palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a
sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais,
com gratidão, em vosso coração.” A passagem paralela em Efésios
5.18-19 nos exorta a não nos embriagarmos com vinho, mas, em vez disso, a
“[enchermo-nos] do Espírito, falando entre [nós] com salmos, entoando e
louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais”.
Nessas passagens, Paulo se dirige a toda a congregação. Ele ordena
toda a congregação a cantar, assim como Deus frequentemente ordena seu
povo a cantar-lhe ao longo do Antigo Testamento (p.ex., Salmo 9.11;
30.4; 33.3; 47.6).
Não é o grupo de louvor que toca a música à frente, enquanto todo
mundo ouve ou, talvez, canta junto, como num show. Em vez disso, a
igreja é o grupo de louvor. Haja o acompanhamento que houver, ele
simplesmente serve e dá suporte ao canto da igreja.
Na igreja, música não é algo que consumimos, mas algo que nós criamos.
E para que exatamente essa música serve? É um meio pelo qual nós
fazemos uma melodia ao Senhor e damos graças a ele. É também um meio
pelo qual nós nos dirigimos uns aos outros, admoestando-nos e
instruindo-nos. O nosso canto na igreja é dirigido a Deus e uns aos
outros. Ele tem por alvo a glória de Deus e o bem do corpo. Como Paulo
escreve em 1Coríntios 14.26, “Que fazer, pois, irmãos? Quando vos
reunis, um tem salmo, outro, doutrina, [...] Seja tudo feito para
edificação”.
O fato de esse canto ser corporativo, em vez de particular, não é
acidental, mas essencial. Paulo ora pela igreja de Roma: “Ora, o Deus da
paciência e da consolação vos conceda o mesmo sentir de uns para com os
outros, segundo Cristo Jesus, para que concordemente e a uma voz
glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Romanos
15.5-6). Paulo deseja que a igreja em Roma viva como um só corpo, de
modo que eles possam glorificar a Deus como um só corpo. Ele deseja que o
cântico deles em unidade expresse a vida de unidade deles como igreja.
Nós glorificamos a Deus ao cantarmos juntos porque, em Cristo, Deus nos
ajuntou.
Na igreja, a música é o meio pelo qual todos nós, como um só corpo,
glorificamos o Senhor e edificamos uns aos outros ao cantar as
excelências daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa
luz.
Diferenças
Longe de ser uma trilha sonora personalizada, a música na igreja é
mais como a partitura de uma orquestra: a igreja é a orquestra, e cada
membro em particular é um instrumento. Observe que, ao mudarmos da
música cotidiana para a música na igreja, nós passamos do passivo ao
ativo. Novamente, você não consome música na igreja; você a cria.
Nós também passamos do individual ao corporativo. O foco da música na
igreja não é que você terá uma experiência espiritual individual da
presença de Deus, enquanto canta ou outros tocam. Em vez disso, o foco é
que a sua voz combinará com dúzias ou centenas de outras em uma só voz
que louve a Deus e proclame a sua graça ao seu povo.
Quando uma orquestra se apresenta para tocar, todos sabem que é um
trabalho em equipe. Dúzias de músicos tocam uma única partitura, de modo
que a orquestra toca em unidade. Das dúzias de músicos vem um som
unificado. Seria impensável que os membros da orquestra insistissem em
tocar apenas as partes que estivessem de acordo com suas preferências
pessoais. Para que os muitos soem como um só, os muitos devem abrir mão
de quaisquer projetos que tenham o potencial de fragmentar a sua
unidade.
Ao mudarmos da música cotidiana para o domingo, nós também passamos
dos propósitos pessoais aos propósitos ordenados. No seu tempo pessoal,
contanto que esteja amando a Deus e ao seu próximo, você pode fazer o
que quiser com a música. Mas, como vimos, a música na igreja tem
propósitos que são precisamente ordenados por Deus.
Toda a música na igreja deve habilitar a igreja para a edificação
mútua e o louvor a Deus. Essa é uma questão que envolve a obediência ou a
desobediência de toda a igreja à Palavra de Deus. O que mais importa na
música da igreja é que ela faça a palavra de Cristo habitar ricamente
na igreja. Conteúdo, portanto, é mais importante que estilo. E as
questões mais importantes sobre estilo não são se ele se combina com as
preferências de alguém, mas se o estilo da música serve aos propósitos
divinamente ordenados de servir como louvor e admoestação para toda a
igreja.
Preferências
Então, o que você deveria fazer com as suas preferências musicais ao
entrar na igreja? Sem meias palavras, deixe-as do lado de fora.
Você pode ligar o seu iPod de novo assim que entrar no carro e
dirigir de volta para casa. Na igreja, porém, ponha de lado as suas
preferências e alegremente cante o que o corpo cante. O olho, o ouvido, a
mão e o pé podem ter cada um as suas preferências, mas o corpo canta
como um só.
Você deve se certificar de deixar as suas preferências na porta da
igreja, primeiro, por causa das diferenças entre como nós costumamos
consumir música enquanto indivíduos e como nós devemos criar música na
igreja. Eu não estou sugerindo que a maioria dos cristãos pensa que pode
tratar a ordem de culto da sua igreja como uma lista de reprodução do
iTunes. Mas eu de fato penso que a nossa cultura de consumo musical está
tão arraigada que é preciso trabalho duro para deixar de lado as
preferências, em vez de insistir nelas. Estamos tão acostumados a
elaborar nossas próprias trilhas sonoras que é preciso esforço para
cultivar uma cultura musical na qual os muitos importam mais do que o
um.
E abrir mão de nossas preferências pelo bem do corpo é exatamente o
que o evangelho nos chama a fazer. O evangelho nos chama a perder para
que outros possam ganhar, a considerar os outros superiores a nós
mesmos, assim como Cristo fez por nós (Filipenses 2.1-11). Então, imite
Cristo à medida que você canta para Cristo no corpo de Cristo. Se
glorificar a Deus ao cantar é um sacrifício de louvor (Hebreus 13.15),
não fique surpreso se isso custá-lo alguma coisa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário