Carl Trueman |
Por Carl Trueman
O problema com grande parte da adoração cristã contemporânea, seja
Católica ou Protestante, não é entretenimento demais, mas é não ser
entretenimento o suficiente. A adoração caracterizada por rock animado,
comédia stand-up, pessoas lindas e bem apessoadas no centro do
palco e um tipo clichê de sentimentalismo barato negligencia uma forma
clássica de entretenimento, aquela que nos que, citando o Livro de
Oração Comum, “em meio à vida, estamos na morte”.
Ela negligencia a tragédia. Tragédia como forma de arte e
entretenimento destaca a morte, e a morte é central para a verdadeira
adoração cristã. O elementos litúrgicos mais básicos da fé, o batismo e a
Santa Ceia, falam de morte, de sepultamento, de um pacto de sangue, de
um corpo despedaçado. Mesmo o clamor de que “Jesus é Senhor!” assume um
entendimento de senhorio muito diferente do de César. O senhorio de
Cristo é estabelecido por meio de seu sacrifício na cruz, e o de César,
por meio de poder.
Talvez seja estranho a alguns caracterizar tragédia como
entretenimento, mas a tragédia sempre foi parte vital das obras
artísticas do Ocidente desde que Homero relatou sobre Aquiles, começando
sobre a morte de seu querido Pátroclo, até sua retirada relutante dos
campos de batalha de Tróia. Seres humanos sempre foram atraídos por
contos de tragédia, assim como os de comédia, quando o intuito era se
elevar acima das rotinas previsíveis da vida diária – em outras
palavras, serem entretidos.
De Ésquilo a Tennessee Williams, escritores do gênero têm
enriquecidos os teatros. As grandes peças de Shakespeare são suas
tragédias. Quem colocaria Charles Dickens acima de Thomas Hardy e Joseph
Conrad? A tragédia atraiu a atenção de notáveis pensadores desde a
Aristóteles a Hegel e Terry Eagleton.
A adoração cristã deveria imbuir as pessoas da realidade da tragédia
da queda do homem e da humanidade. Deveria nos prover uma linguagem que
nos permita adorar o Deus da ressurreição enquanto lamentamos o
sofrimento e a agonia de nossa parte nesse mundo alienado de seu
criador, e deveria, assim, afiar nossa esperança pela única resposta ao
grande desafio que iremos enfrentar mais cedo ou mais tarde. Apenas
aqueles que aceitam que irão morrer podem começar a olhar com alguma
esperança para a ressurreição.
Apesar disso, hoje a tragédia, com algumas poucas exceções, foi
excluída do entretenimento popular. Seja o sentimentalismo barato, a
pirotecnia dos filmes de ação ou a idiotice banal dos reality shows,
o senso trágico está completamente perdido. Isso é mais agravado ainda
pela forma trivial com que a linguagem da tragédia agora é usada no
vernáculo popular. Como sendo um momento decisivo ou de crise, as
palavras tragédia e trágico agora servem para todo tipo de utilidade
linguística. Em um mundo onde até mesmo derrotas esportivas são
descritas como tragédias, raramente esses termos falam das crises morais
catastróficas e quedas heroicas que estão no cerne da grande literatura
de tragédia.
Mas a vida humana é, ainda assim, verdadeiramente trágica. A morte
permanece uma realidade teimosa, onipresente e inevitável. Apesar de
todo antiessencialismo pós-moderno, de todo o repúdio pela natureza
humana, de toda a retórica da auto-criação, a morte eventualmente chega
para todos, frustra todos, nivela todos. Não é simplesmente um
constructo linguístico ou uma convenção social. Mas mesmo assim, a
cultura Ocidental tem, vagarosa mas continuamente, empurrado a morte, a
única impressionante inevitabilidade da vida humana, para a zona mais
periférica da existência.
Pascal observou esse problema na França do Século XVII, quando viu a
obsessão pelo entretenimento como o surgimento do desejo humano caído de
ser distraído de qualquer pensamento sobre mortalidade. “Tenho dito com
frequência que a causa única da infelicidade do homem é que ele não
sabe como permanecer quieto em seu quarto”, dizia. E: “Distração é a
única coisa que nos consola de nossas misérias, e ainda assim é em si
mesma a maior de nossas misérias”.
Hoje o problema é ainda maior: o entretenimento aparentemente se
tornou o objetivo primário de existência das pessoas. Eu duvido que
fosse surpreendente para Pascal que o mundo magnificou o tamanho, o
alcance e a compreensão da distração. Não o surpreenderia que a morte
foi reduzida a pouco mais que um personagem de desenho em incontáveis
filmes de ação ou um mero impedimento momentâneo em novelas e seriados.
De fato, ele não iria ficar perplexo em saber que a sombria violência da
mortalidade não deixa qualquer marca duradoura nos enlutados no surreal
mas sedutor mundo do entretenimento popular.
Mas talvez ele seja surpreendido com o fato de que as igrejas têm
entusiasticamente endossado esse projeto de distração e dissimulação. É
isso que resume muito da adoração moderna: distração e dissimulação.
Grupos de louvor e músicas de triunfo parecem ter sido projetados em
forma e conteúdo para distrair os adoradores das realidades mais
difíceis da vida.
Mesmo funerais, o contexto religioso onde poderia se assumir que a
realidade da morte seria inescapável, têm se tornado o contexto para os
mais atrozes e incoerentes atos: a celebração de uma vida que agora
acabou. O Salmo 23 e o hino “Comigo habita”
eram marcas tradicionais de funerais por muitos anos, mas isso parece
ter mudado. Referências ao vale da sombra da morte ou à brevidade da
vida terreal, lembretes tanto de nossa mortalidade quanto da fidelidade
de Deus mesmo nos mais escuros momentos, foram trocados por músicas como
“Wind Beneath My Wings” e “My Way”. A economia superficial da adoração como entretenimento chegou até mesmo aos últimos ritos para os que se vão.
Entretanto, a tragédia é parte vital do entretenimento. Aristóteles,
em sua obra Poética, argumentou em favor dos benefícios pessoais e
sociais do drama trágico. A audiência, levada por crises morais
vertiginosas, grandes falhas e as catastróficas quedas dos heróis,
usufruía a experiência da catarse – experimentando a vasta gama de
emoções – sem serem agentes nos eventos representados no palco. Eles
deixavam o teatro lavados pela experiência e sabendo mais profundamente o
que é ser humano. Eles estavam mais sábios, mais pensativos e mais bem
preparados para enfrentar a realidade de suas próprias vidas.
De todos os lugares, a igreja deveria ser o mais realista. A igreja
sabe quão grave foi a queda da humanidade, entende o custo dessa queda
tanto na morte de Cristo encarnado quanto na morte inevitável de cada
crente. Nos Salmos de lamento, a igreja tem uma linguagem poética para
dar expressão aos mais profundos anseios de uma humanidade buscando
encontrar paz não nesse mundo, mas no próximo. Nas grandes liturgias da
igreja, a morte lança uma longa, criativa e catártica sombra. Nossa
adoração deveria refletir as realidades de uma vida que deve enfrentar a
morte antes de experimentar a ressurreição.
É, dessa forma, uma ironia do tipo mais perverso que as igrejas
tenham se tornado lugares onde a distração Pascaliana e uma noção de
entretenimento que exclui o trágico parece dominar de forma tão
abrangente quanto fazem no mundo ao nosso redor. Estou certo que a
separação dos prédios das igrejas dos cemitérios não foi parte
intencional do começo desse processo, mas certamente ajudou a diminuir a
presença da morte. A geração atual não passa pela inconveniência de
andar pelos túmulos de entes queridos ao se reunirem para adorar. Hoje
em dia a morte simplesmente sumiu de dentro das igrejas também.
Na tradição em que fui criado, da igreja Presbiteriana Escocesa, os
ritmos mais sóbrios do saltério, os clamores de lamento e fragilidade
mortal das vozes cantando sem acompanhamento instrumental ajudava a
conectar a adoração de Domingo às realidades da vida. De fato há Salmos
de alegria e triunfo. Pais regozijando o nascimento de um filho podem
encontrar palavras de gratidão para entoarem ao Senhor, mas também há
Salmos que permitem aos enlutados expressar seu sofrimento e sua dor em
palavras de adoração a Deus.
Os Salmos como base para a adoração cristã, com seus elementos de
lamento e confusão, e a intrusão da morte na vida, tem sido, com
frequência, substituídos não pode músicas que capturam essa mesma
sensibilidade – como muitos dos grandes hinos do passado o fazem – mas
por músicas que asseguram o triunfo sobre a morte sem nunca realmente
encará-la. O túmulo está vazio, certamente; mas nunca estamos realmente
certos do porquê ela esteve ocupada, para começar.
Apenas os morto podem ser ressurretos. Como o segundo ladrão da cruz
enxergou tão claramente, a entrada para o reino de Cristo é através da
morte, não ao escapar dela. O protestantismo tradicional via isso,
conectando o batismo não tanto ao lavar, mas à morte e ressurreição.
Liturgias protestantes se asseguravam que a lei seria lida em cada
culto, para lembrar as pessoas que a morte era a pena por seu pecado.
Somente então, depois da lei pronunciar sua sentença de morte, o
evangelho seria lido, chamando-os de seus túmulos para a fé e à vida e
ressurreição em Cristo. Assim, a congregação se tornava participante do
drama da salvação.
Certamente havia catarse nesse tipo de adoração: a congregação saía a
cada semana tendo encarado a mais profunda realidade de seus destinos.
Talvez seja irônico, mas a igreja que confronta as pessoas com a
realidade da brevidade da vida vivida sob a sombra da morte prepara
melhor a congregação para a ressurreição do que a igreja que vai direto
para o triunfalismo da ressurreição sem aquela parte estranha que fala
sobre morrer.
Dietrich Bonhoeffer questionou certa vez: “Por que é que o cinema tem
se tornado muitas vezes mais interessante, mais excitante, mais humano e
mais envolvente que a igreja?”. De fato, por que? Talvez a situação
seja pior do que eu descrevi; talvez as igrejas sejam mais triviais até
que a indústria do entretenimento. Afinal, no entretenimento popular é
possível encontrar ocasionalmente o trágico sendo devidamente
articulado, como nos filmes de Coppola ou Scorcese.
Uma igreja com uma visão menos realista da vida do que a que se
encontra no cinema? Para alguns, isso pode ser um pensamento divertido,
até mesmo entretenimento; para mim, é uma tragédia.
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