Um
dos mais prevalecentes mitos difundidos por alguns calvinistas sobre o
Arminianismo é que ele é o tipo de teologia mais popular nos púlpitos e
bancos evangélicos. Minha experiência contradiz essa crença. Depende
muito de como consideramos a teologia arminiana. Os críticos calvinistas
estariam corretos se o Arminianismo fosse o Semipelagianismo. Mas ele
não é, como espero mostrar. O evangelho pregado e a doutrina da salvação
ensinada na maioria dos púlpitos e tribunas evangélicos, e crido na
maioria dos assentos de igrejas evangélicas, não é o Arminianismo
clássico, mas o Semipelagianismo, se não um completo Pelagianismo. Qual é
a diferença? O teólogo H. Orton Wiley, da Igreja do Nazareno,
corretamente define o Semipelagianismo dizendo, “Ele sustentava que
restou poder suficiente na vontade depravada para dar o primeiro passo
em direção à salvação, mas não o suficiente para completá-la. Isso deve
ser feito pela graça divina.”[1]
Esta antiga heresia tem origem nos ensinos dos assim chamados
massilianos, liderados principalmente por João Cassiano (m. 433 d.C),
que tentou construir uma ponte entre o Pelagianismo, que negava o pecado
original, e Agostinho, que defendia a eleição incondicional sobre o
fundamento de que todos os descendentes de Adão nascem espiritualmente
mortos e culpados do pecado de Adão. Cassiano acreditava que as pessoas
são capazes de se voltarem para Deus mesmo à parte de qualquer infusão
da graça sobrenatural. Isto foi condenado pelo Segundo Concílio de
Orange em 529 (sem endossar a extrema doutrina agostiniana da
predestinação).
O
Semipelagianismo tornou-se a teologia popular da Igreja Católica Romana
nos séculos que antecederam a Reforma Protestante. Ele foi
completamente rejeitado por todos os reformadores, exceto os assim
chamados racionalistas ou antitrinitarianos, tais como Fausto Socinus.
Alguns calvinistas adotaram a prática de se referir a toda teologia que
ficou aquém do Calvinismo rígido (TULIP) como semipelagiana. Isto, no
entanto, está incorreto. Hoje em dia, o Semipelagianismo é a teologia
padrão da maioria dos cristãos evangélicos americanos.[2]
Podemos comprovar isto na popularidade de clichês como “Se você der um
passo em direção a Deus, ele fará o resto do caminho em direção a você,”
e “Deus vota em você, Satanás
vota contra você, e você tem o voto decisivo,” juntamente com a
negligência quase total da depravação humana e da incapacidade nas
questões espirituais.
O
Arminianismo é quase totalmente desconhecido, e menos ainda crido, no
cristianismo evangélico popular. Um dos propósitos deste livro é superar
este déficit. Um mito predominante sobre o Arminianismo é que a
teologia arminiana é equivalente ao Semipelagianismo. Isto será
contestado no processo de refutação de vários outros mitos que tratam da
condição humana e da salvação. Isto é apenas uma antecipação do ponto
de vista arminiano que será mais para frente exposto.
Em
primeiro lugar, é importante compreender que o Arminianismo não tem uma
doutrina ou ponto de vista específico sobre tudo no Cristianismo. Não
há nenhuma doutrina arminiana especial das Escrituras. Os arminianos do
coração – os arminianos evangélicos – acreditam nas Escrituras e têm a
mesma gama de opiniões sobre os seus detalhes como os calvinistas.
Alguns arminianos acreditam na inerrância bíblica e outros não. Todos os
arminianos evangélicos estão
comprometidos com a inspiração sobrenatural da Bíblia e sua autoridade
sobre todos os assuntos de fé e prática. Da mesma forma, não há uma
eclesiologia ou escatologia arminiana distintiva; os arminianos refletem
o mesmo espectro de interpretações que os outros cristãos. Um mito
popular promovido por alguns calvinistas é que todos os teólogos
arminianos aceitam a teoria governamental da expiação e rejeitam a
teoria da substituição penal. Isso é simplesmente falso. Os arminianos
acreditam na Trindade, na divindade e humanidade de Jesus Cristo, na
depravação da humanidade devido à Queda primitiva, na salvação pela
graça somente através da fé somente, e em todas as outras crenças
protestantes essenciais. A justificação como justiça imputada é afirmada
pelos arminianos clássicos seguindo o próprio Arminius. As doutrinas
distintivas do Arminianismo têm a ver com a soberania de Deus sobre a
história e a salvação; a providência e a predestinação são as duas
doutrinas chave onde os arminianos se separam dos calvinistas clássicos.
Não
há melhor ponto de partida para examinar as questões da providência e
predestinação que a própria Remonstrância. Ela é o documento fundamental
do Arminianismo clássico (além dos escritos de Arminius). A
Remonstrância foi preparada por mais ou menos 43 (o número exato é
debatido) pastores e teólogos reformados holandeses após a morte de
Arminius em 1609. O documento foi apresentado em 1610 para uma
conferência de líderes da igreja e do estado em Gouda, Holanda, para
explicar a doutrina arminiana. Ele foca principalmente nas questões da
salvação e especialmente a predestinação. Várias versões da
Remonstrância (da qual os remonstrantes receberam o seu nome) existem.
Iremos usar uma tradução para o inglês do original em latim apresentada
de forma um tanto condensada pelo estudioso inglês do Arminianismo A. W.
Harrison:
1.
Que Deus, por um decreto eterno e imutável em Cristo antes da fundação
do mundo, determinou eleger, da raça caída e pecadora, para a vida
eterna, aqueles que, através de Sua graça, creem em Jesus Cristo e
perseveram na fé e obediência; e, ao contrário, resolveu rejeitar os não
convertidos e os descrentes para a condenação eterna (Jo 3.36).
2.
Que, em consequência disto, Cristo, o Salvador do mundo, morreu por
todo e cada homem, de modo que Ele obteve, pela morte na cruz,
reconciliação e perdão pelo pecado por todos os homens; de tal maneira,
porém, que ninguém senão os fiéis verdadeiramente desfrutam dos mesmos
(Jo 3.16; 1Jo 2.2).
3.
Que o homem não podia obter a fé salvadora de si mesmo ou pela força de
seu próprio livre-arbítrio, mas se encontrava carente da graça de Deus,
através de Cristo, para ser renovado no pensamento e na vontade (Jo
15.5).
4.
Que esta graça foi a causa do início, desenvolvimento e conclusão da
salvação do homem; de forma que ninguém poderia crer nem perseverar na
fé sem esta graça cooperante, e consequentemente que todas as boas obras
devem ser atribuídas à graça de Deus em Cristo. Quanto ao modo de
operação desta graça, no entanto, não é irresistível (At 7.51).
5.
Que os verdadeiros crentes tinham força suficiente através da graça
divina para lutar contra Satanás, o pecado, o mundo, sua própria carne, e
obter vitória sobre eles; mas se por negligência eles não poderiam
apostatar da verdadeira fé, perder a alegria de uma boa consciência e
ser privado da graça necessária, deve ser mais plenamente investigado de
acordo com a Sagrada Escritura.[3]
Observe
que os remonstrantes, como Arminius anteriormente, não tomaram qualquer
posição sobre a questão da segurança eterna dos crentes. Ou seja, eles
deixaram em aberto a questão se uma pessoa verdadeiramente salva poderia
cair da graça ou não. Eles também não seguiram o padrão da TULIP.
Embora o modelo de cinco pontos que descreve a crença calvinista fora
desenvolvido mais tarde, a negação dos três pontos centrais é bastante
clara na Remonstrância. No entanto, ao contrário da ideia popular sobre o
Arminianismo (especialmente entre os calvinistas), nem Armínio nem os
remonstrantes negaram a depravação total; eles a afirmaram. É claro que a
Remonstrância não é uma declaração completa da doutrina arminiana, mas
ela aborda bem a sua essência. Além do que ela diz, há um campo de
interpretação onde os arminianos às vezes discordam entre si. Todavia,
existe um consenso arminiano geral, e é isso o que este breve resumo irá
explicar, recorrendo amplamente ao teólogo nazareno Wiley, que recorreu
amplamente a Armínio, Wesley e os principais teólogos metodistas do
século XIX mencionados anteriormente.
O
Arminianismo ensina que todos os seres humanos nascem moralmente e
espiritualmente depravados e impotentes para fazerem qualquer coisa boa
ou digna aos olhos de Deus sem que haja uma infusão especial da graça de
Deus para superar os efeitos do pecado original. “Os homens não apenas
nascem debaixo da penalidade da morte como consequência do pecado, mas
eles também nascem com uma natureza depravada, que em contraste com o
aspecto legal da pena, é geralmente chamada de pecado inato ou
depravação herdada.”[4]
O Arminianismo clássico em geral concorda com a ortodoxia protestante
que a unidade da raça humana no pecado resulta em que todos nascem
“filhos de ira”. No entanto, os arminianos acreditam que a morte de
Cristo na cruz fornece um remédio universal para a culpa do pecado
herdado, de modo que ele não é imputado às crianças por causa de Cristo.
É assim que os arminianos, de acordo com os anabatistas, tais como os
menonitas, interpretam as passagens universais do Novo Testamento como
Romanos 5, onde tudo é declarado estar incluído debaixo do pecado assim
como tudo é incluído na redenção através de Cristo. Esta é também a
interpretação arminiana de 1Tm 4.10, que indica duas salvações através
de Cristo: uma universal para todas as pessoas e uma especialmente para
todos os que creem. A crença arminiana na redenção geral não é a
salvação universal; é a redenção universal do pecado de Adão. Assim, na
teologia arminiana todas as crianças que morrem antes de atingirem a
idade do despertar da consciência e cometerem pecados atuais (em
oposição ao pecado inato) são consideradas inocentes por Deus e levadas
ao paraíso. Entre aquelas que cometem pecados atuais, apenas aquelas que
se arrependem e creem têm Cristo como Salvador.
O
Arminianismo considera o pecado original primariamente como uma
depravação moral que é resultado da privação da imagem de Deus; esta é a
perda do poder de evitar o pecado atual. “A depravação é total, visto
que ela afeta todo o ser do homem.”[5] Isso significa que todas as pessoas nascem com inclinações alienadas, intelecto obscurecido e vontade corrompida.[6]
Há tanto uma cura universal quanto um remédio mais específico para essa
condição; a morte expiatória de Cristo na cruz removeu a penalidade do
pecado original e liberou para a humanidade um novo impulso que começa a
reverter a depravação com que todos vêm ao mundo. Cristo é o novo Adão
(Romanos 5) que é o novo cabeça da raça; ele não veio apenas para salvar
alguns, mas para fornecer um novo começo para todos. Uma medida da
graça preveniente se estende através de Cristo a toda pessoa que nasce
(João 1).
Dessa
forma, a verdadeira posição arminiana admite a completa penalidade do
pecado, e consequentemente não diminui a extrema pecaminosidade do
pecado, nem deprecia a obra expiatória de nosso Senhor Jesus Cristo. Faz
assim, no entanto, não negando toda a força da penalidade, como fazem
os semipelagianos, mas magnificando a suficiência da expiação, e a
consequente transmissão da graça preveniente a todos os homens através
da autoridade do último Adão.[7]
A
autoridade de Cristo é coextensiva com a de Adão, mas as pessoas devem
aceitar (através da não resistência) esta graça de Cristo a fim de se
beneficiar plenamente dela.
O
homem é condenado unicamente por suas próprias transgressões. A oferta
gratuita removeu a condenação original e é abundante para muitas
ofensas. O homem torna-se responsável pela depravação de seu próprio
coração somente quando rejeita o remédio para ela, e conscientemente
ratifica-a como sua própria, com todas as suas consequências penais.[8]
A
depravação herdada inclui o cativeiro da vontade ao pecado, que só é
superado pela graça sobrenatural, preveniente. Esta graça começa a
operar em todos mediante o sacrifício de Cristo (e o Espírito Santo
enviado ao mundo por Cristo), mas surge com poder especial mediante a
proclamação do evangelho. Wiley, seguindo Pope e outros teólogos
arminianos, chama a condição humana – por causa do pecado herdado – de
“impotência para o bem”, e rejeita qualquer possibilidade de bondade
espiritual à parte da graça especial de Cristo tendo a precedência.
Porque
Deus é amor (Jo 3.16; 1Jo 4.8), e não quer que ninguém pereça, mas que
todos cheguem ao arrependimento (1Tm 2.4; 2Pe 3.9), a morte expiatória
de Cristo é universal; alguns de seus benefícios são automaticamente
estendidos a todos (por exemplo, a libertação da condenação do pecado de
Adão) e todos os seus benefícios são para todos que os aceitarem (por
exemplo, o perdão dos pecados atuais e a imputação da justiça).
A
expiação é universal. Isto não quer dizer que toda a humanidade se
salvará incondicionalmente, mas apenas que a oferta sacrificial de
Cristo satisfez as pretensões da lei divina, de maneira que tornou a
salvação possível para todos. A redenção, portanto, é universal ou geral
no sentido de provisão, mas especial ou condicional na sua aplicação ao
indivíduo.[9]
No
entanto, somente serão salvos aqueles que são predestinados por Deus
para a salvação eterna. Eles são os eleitos. Quem está incluído nos
eleitos? Todos aqueles que Deus anteviu que aceitarão sua oferta de
salvação através de Cristo pela não resistência à graça que se estende a
eles por meio da cruz e do evangelho. Assim, a predestinação é
condicional ao invés de incondicional; a presciência eletiva de Deus é
causada pela fé dos eleitos.
Em
contraste com o Calvinismo acima estudado, o Arminianismo sustenta que a
predestinação é o propósito gracioso de Deus de salvar da ruína
completa toda a humanidade. Não é um ato arbitrário e indiscriminado de
Deus para garantir a salvação a um número especial de pessoas e a
ninguém mais. Inclui provisionalmente todos os homens e está
condicionada somente pela fé em Cristo.[10]
O
Espírito Santo opera nos corações e mentes de todas as pessoas até
certo ponto, dá-lhes alguma consciência das expectativas e provisão de
Deus, e as chama ao arrependimento e à fé. Assim, “a Palavra de Deus é,
em certo sentido, universalmente pronunciada, mesmo quando não
registrada em uma linguagem escrita.” “Aqueles que ouvem a proclamação e
aceitam o chamado são conhecidos nas Escrituras como os eleitos.”[11] Os reprovados são aqueles que resistem ao chamado de Deus.
Uma
doutrina arminiana crucial é a graça preveniente, na qual os
calvinistas também acreditam, mas os arminianos a interpretam
diferentemente. A graça preveniente é simplesmente aquela graça de Deus
que convence, chama, ilumina e capacita, e que precede a conversão e
torna o arrependimento e a fé possíveis. Os calvinistas a interpretam
como irresistível e eficaz; a pessoa em quem ela opera irá crer e
arrepender-se para salvação. Os arminianos a interpretam como
resistível; as pessoas são sempre capazes de resistir à graça de Deus,
como a Escritura chama a atenção (At 7.51). Mas sem a graça preveniente,
elas inevitavelmente e inexoravelmente resistirão à vontade de Deus por
causa de sua escravidão ao pecado.
Quando
falamos de “graça preveniente” estamos pensando na que “precede”, que
prepara a alma para a sua entrada no estado inicial da salvação. É a
graça preparatória do Espírito Santo exercida para o homem enfraquecido
pelo pecado. Pelo que se refere aos impotentes, é tida como força
capacitadora. É aquela manifestação da influência divina que precede a
vida de regeneração completa.[12]
Em
um sentido, então, os arminianos, como os calvinistas, creem que a
regeneração precede a conversão; o arrependimento e a fé são somente
possíveis porque a velha natureza está sendo dominada pelo Espírito de
Deus. A pessoa que recebe a total intensidade da graça preveniente (isto
é, através da proclamação da Palavra e a chamada interna correspondente
de Deus) não mais está morta em delitos e pecados. Entretanto, tal
pessoa não está ainda completamente regenerada. A ponte entre a
regeneração parcial pela graça preveniente e a completa regeneração pelo
Espírito Santo é a conversão, que inclui arrependimento e fé. Estes se
tornam possíveis por dádiva de Deus, mas são livres respostas da parte
do indivíduo. “O Espírito opera com o concurso humano e por meio dele.
Nesta cooperação, contudo, dá-se sempre à graça divina preeminência
especial.”[13]
A
ênfase sobre a antecedência e preeminência da graça forma o denominador
comum entre o Arminianismo e o Calvinismo. É o que torna o sinergismo
arminiano “evangélico.” Os arminianos levam extremamente a sério a
ênfase neotestamentária na salvação como um dom da graça que não pode
ser merecido (Ef 2.8). Entretanto, as teologias arminianas e calvinistas
– como todos os sinergismos e monergismos – divergem sobre o papel que
os humanos desempenham na salvação. Como Wiley observa, a graça
preveniente não interfere na liberdade da vontade. Ela não dobra a
vontade ou torna certa a resposta da vontade. Ela somente capacita a
vontade a fazer a escolha livre para cooperar ou resistir à graça. Essa
cooperação não contribui para a salvação, como se Deus fizesse uma parte
e os humanos fizessem outra parte. Antes, a cooperação com a graça na
teologia arminiana é simplesmente não-resistência à graça. É meramente
decidir permitir a graça fazer sua obra renunciando a todas as
tentativas de auto-justificação e auto-purificação e admitindo que
somente Cristo pode salvar. Todavia, Deus não toma esta decisão pelo
indivíduo; é uma decisão que os indivíduos, sob a pressão da graça
preveniente, devem tormar por si mesmos.
O
Arminianismo sustenta que a salvação é toda pela graça – todo movimento
da alma em direção a Deus é iniciado pela graça divina – mas os
arminianos reconhecem também que a cooperação da vontade humana é
necessária, porque, em última análise, o agente livre decide se a graça
oferecida é aceita ou rejeitada.[14]
O
Arminianismo clássico ensina que a predestinação é simplesmente a
determinação (decreto) de Deus para salvar através de Cristo aqueles que
livremente respondem à oferta de Deus da graça livre pelo
arrependimento do pecado e fé (confiança) em Cristo. Ela inclui a
presciência de Deus de quem responderá. Não inclui uma seleção de certas
pessoas para a salvação, muito menos para a condenação. Muitos
arminianos fazem uma distinção entre a eleição e a predestinação. A
eleição é corporativa – Deus determinou Cristo para ser o Salvador
daquele grupo de pessoas que se arrependem e creem (Ef 1); a
predestinação é individual – a presciência de Deus daqueles que se
arrependerão e crerão (Rm 8.29). O Arminianismo clássico também ensina
que essas pessoas que respondem positivamente à graça de Deus pela não
resistência a ela (que envolve arrependimento e confiança em Cristo) são
nascidas de novo pelo Espírito de Deus (que é a regeneração completa),
perdoadas de todos os seus pecados e consideradas por Deus como justas
por causa da morte expiatória de Cristo por elas. Nada disto é baseado
em qualquer mérito humano; é um dom gratuito, não imposto, mas
livremente recebido. “A única base da justificação... é a obra
propiciatória de Cristo recebida pela fé,” e “o único ato de
justificação, quando visto negativamente, é o perdão dos pecados; quando
visto positivamente, é a aceitação do crente como justo [por Deus].”[15]
A única diferença significativa entre o Arminianismo clássico e o
Calvinismo nesta doutrina, então, é o papel do indivíduo em receber a
graça da regeneração e justificação. Como Wiley coloca, a salvação “é um
trabalho feito nas almas dos homens pela operação eficaz do Espírito
Santo. O Espírito Santo exerce seu poder regenerador apenas em certas
condições, isto é, nas condições de arrependimento e fé.”[16]
Assim, a salvação é condicional, não incondicional; os humanos exercem
um papel e não são passivos ou controlados por alguma força, interna ou
externa.
É
aqui onde muitos críticos monergistas do Arminianismo apontam o dedo e
declaram que a teologia arminiana é um sistema de salvação pelas obras,
ou pelo menos algo inferior à vigorosa doutrina de Paulo da salvação
como um dom gratuito. Se ele deve ser livremente aceito, eles afirmam, é
merecido. Pelo fato do ato de aceitação ser crucial, o que é recebido
não é um dom gratuito. Os arminianos simplesmente não conseguem entender
essa afirmação e sua acusação implícita. Como veremos em vários pontos
ao longo deste livro, os arminianos sempre têm afirmado enfaticamente
que a salvação é um dom gratuito; até mesmo o arrependimento e a fé são
apenas causas instrumentais da salvação e impossíveis à parte de uma
operação interna da graça! A única causa eficiente da salvação é a graça
de Deus através de Jesus Cristo e do Espírito Santo. A lógica do
argumento de que um dom livremente recebido (no sentido de que poderia
ser rejeitado) não é um dom gratuito surpreende a mente arminiana. Mas a
principal razão para os arminianos rejeitarem a noção calvinista da
salvação monergística, em que Deus incondicionalmente elege alguns para
salvação e inclina suas vontades irresistivelmente, é que ela ofende o
caráter de Deus e a natureza de um relacionamento pessoal. Se Deus salva
incondicionalmente e irresistivelmente, por que ele não salva a todos?
Apelar para mistério neste ponto não satisfaz a mente arminiana porque o
caráter de Deus como amor se mostrando em misericórdia está em jogo. Se
os homens escolhidos por Deus não podem resistir a ter um
relacionamento correto com Deus, que tipo de relacionamento é esse? Pode
uma relação pessoal ser irresistível? Tais predestinados são realmente
pessoas em um relacionamento assim? Estas são questões fundamentais que
motivam os arminianos – como outros sinergistas – a questionarem toda
forma de monergismo, incluindo o Calvinismo rígido. A questão não é,
mais enfaticamente, uma visão humanista do livre-arbítrio autônomo, como
se os arminianos fossem apaixonados pelo livre arbítrio pela sua
própria causa. Qualquer leitura imparcial de Arminius, Wesley, ou
qualquer outro arminiano clássico, irá revelar que este não é o caso.
Pelo contrário, a questão é o caráter de Deus e a natureza do
relacionamento pessoal.
Anteriormente
eu observei que não apenas a predestinação mas também a providência
fornece um ponto de diferença entre o Arminianismo e o Calvinismo. Em
resumo, os arminianos creem na soberania divina e na providência, mas as
interpretam diferentemente dos calvinistas rígidos. Os arminianos
consideram que Deus se auto-limita em relação à história humana.
Portanto, muito do que acontece na história é contrário à perfeita
vontade antecedente de Deus. Os arminianos afirmam que Deus está no
comando da natureza e da história, mas negam que Deus controla todo
evento. Os arminianos negam que Deus “esconde um rosto alegre” por trás
dos horrores da história. O diabo não é o “diabo de Deus”, ou mesmo um
instrumento da auto-glorificação providencial de Deus. A Queda não foi
preordenada por Deus para algum propósito secreto. Os arminianos
clássicos acreditam que Deus pré-conhece todas as coisas, incluindo todo
evento mal, mas rejeitam qualquer noção de que Deus provê “impulsos
secretos” que controlam até as ações de criaturas malignas (angélicas ou
humanas).[17]
O governo de Deus é abrangente, mas porque Deus se limita para permitir
a livre agência humana (por uma questão de relacionamentos genuínos que
não são manipulados ou controlados), esse governo é exercido de modos
diferentes. Tudo o que acontece é, pelo menos, permitido por Deus, mas
nem tudo que acontece é positivamente desejado ou mesmo tornado certo
por Deus. Assim, o sinergismo entra na doutrina arminiana da providência
bem como da predestinação. Deus pré-conhece mas não age sozinho na
história. A história é o produto de ambas as agências divina e humana.
(Não devemos esquecer as agências angélicas e demoníacas também!) O
pecado especialmente não é nem desejado nem governado por Deus, exceto
no sentido que Deus o permite e o limita. Mais importante, Deus não o
predestina ou o torna certo. Não é possível uma expressão breve melhor
do entendimento arminiano da providência do que a fornecida pelo teólogo
reformado revisionista Adrio König:
Há
lamentavelmente muitas coisas que acontecem sobre a Terra que não são a
vontade de Deus (Lc 7.30 e todo outro pecado mencionado na Bíblia), que
são contra a sua vontade, e que derivam do incompreensível e sem
sentido pecado no qual nascemos, no qual a maior parte dos homens vivem,
e no qual Israel persistiu, e contra o qual até os “mais santos homens”
(Heid. Cat. p. 114) lutavam todos os seus dias (Davi, Pedro). Deus tem
apenas um curso de ação para o pecado, e que é prover sua expiação, por
tê-lo totalmente crucificado e sepultado com Cristo. Tentar interpretar
todas estas coisas através do conceito de um plano de Deus cria
dificuldades intoleráveis e dá origem a mais exceções do que
regularidades. Mas a mais importante objeção é que a ideia de um plano é
contra a mensagem da Bíblia, visto que Deus mesmo se torna
inacreditável se aquilo contra o qual ele lutou com poder, e pelo qual
ele sacrificou seu único Filho, foi, todavia, de alguma forma parte
integrante do seu conselho eterno. Então, é melhor partir da ideia que
Deus tinha um certo objetivo em mente (a aliança, ou o reino de Deus, ou
a nova Terra – que são a mesma coisa vista de diferentes ângulos) que
ele irá alcançar conosco, sem nós, ou mesmo contra nós.[18]
Fonte: Arminian Theology: Myths and Realities, pp. 30-39
Tradução: Samuel Paulo Coutinho
[1] H. Orton Wiley, Christian Theology (Kansas City, Mo.: BeaconHill, 1941), 2:103.
[2]
Não posso afirmar o mesmo de cristãos evangélicos em outros países,
porque eu não sei o suficiente sobre eles para fazer tal declaração.
[3] A Remonstrância, em Harrison, Beginnings of Arminianism, pp.150–51.
[4] Wiley, Christian Theology, 2:98.
[5] Ibid., p. 128.
[6] Ibid., p. 129. Nesta crença, Wiley seguiu John Fletcher.
[7] Ibid., pp. 132–33.
[8] Ibid., p. 135.
[9] H. Orton Wiley, Introdução à Teologia Cristã (São Paulo, SP: Casa Nazarena de Publicações, 1990), p. 270.
[10] Ibid., p. 294.
[11]H. Orton Wiley, Christian Theology (Kansas City, Mo.: BeaconHill, 1941), 2:341, 343.
[12]H. Orton Wiley, Introdução à Teologia Cristã (São Paulo, SP: Casa Nazarena de Publicações, 1990), p. 298.
[13] Ibid., p. 300.
[14] Ibid.
[15] H. Orton Wiley, Christian Theology (Kansas City, Mo.: BeaconHill, 1941), 2: 395, 393.
[16] Ibid., p. 419.
[17]
Calvino conhecidamente atribuiu até os atos pecaminosos e maus dos
ímpios aos impulsos secretos de Deus. Uma cuidadosa leitura do livro 1,
cap. 18 – “Deus utiliza-se das obras dos ímpios, e inclina suas mentes
para cumprir Seus juízos, de forma que Ele se mantém puro de toda
mancha.” – das Institutas da Religião Cristã
revela isso. Lá, entre outras coisas, Calvino diz que “visto que a
vontade de Deus é declarada ser a causa de todas as coisas, fiz da sua
providência o princípio determinante para todos os planos humanos e
obras, não só para exibir sua força nos eleitos, que são guiados pelo
Espírito Santo, mas também para obrigar o réprobo à obediência” (Institutes of the Christian Religion 1.18.2, ed. John T. McNeill, trad. Ford
Lewis Battles [Philadelphia: Westminster Press, 1960], p. 232). Os
arminianos acreditam que o calvinismo rígido não pode escapar de fazer
de Deus o autor do pecado e do mal, e assim contrariando o seu caráter.
[18] Adrio König, Here Am I! A Believer’s Reflection on God (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), pp. 198–99.
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