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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS- A RELEVÂNCIA PRIMORDIAL DA IGREJA

The East Woodstock, CT Congregational Church


Alderi S. de Matos


Para um bom número de cristãos da atualidade, a igreja vem se tornando um conceito sem sentido. Muitos acreditam que é perfeitamente possível ser um cristão autêntico sem estar formalmente ligado a uma comunidade de fé, sem ter um compromisso de lealdade a um grupo específico de fiéis. A proliferação de cultos pela televisão contribui para isso. Uma pessoa ou uma família assiste ao evento eletrônico e acha que isso é suficiente, que já satisfez suas necessidades espirituais. Outros, por terem um entendimento igualmente pobre acerca da igreja, pululam de um grupo para outro, sempre em busca de novidades, sem estabelecerem laços estáveis e significativos com nenhum deles.

No entanto, quando se olha para a história do cristianismo, verifica-se que durante muitos séculos os cristãos valorizaram imensamente a igreja. De fato, essa atitude de apreciação surge com os primeiros seguidores de Cristo, nos dias apostólicos. O Novo Testamento está repleto de alusões à “igreja”, muitas delas reveladoras do alto conceito que os primeiros crentes tinham sobre essa realidade fundamental, ainda que nem sempre fácil de definir. Em épocas mais recentes, todavia, tem se perdido esse consenso que existiu por tanto tempo sobre a importância primordial da igreja. Parte disso se deve à confusão reinante sobre a natureza e os propósitos desse valioso elemento da herança cristã.


Visível e invisível
Se historicamente tem predominado um consenso sobre a relevância da igreja, isso não significa que haja concordância quanto ao seu significado. Tradicionalmente, a teologia cristã tem entendido que a igreja pode ser apreciada desde duas perspectivas distintas: uma exterior, palpável e visível; outra interior, espiritual e invisível. As tradições católica romana e ortodoxa grega têm dado maior ênfase ao primeiro aspecto; as confissões protestantes, ao segundo. No entanto, corretamente entendidas e relacionadas, as duas dimensões são importantes e necessárias.

O primeiro aspecto diz respeito à natureza essencial da igreja, que é espiritual, apontando para o relacionamento concreto, porém misterioso e transcendente, entre o Salvador e os que a ele estão unidos pela fé. Cristo, em sua graciosa obra de reconciliação, é a pedra fundamental da igreja. A segunda perspectiva nos fala dos elementos estruturais e organizacionais da igreja, com seus líderes, cerimônias e locais de culto. O Novo Testamento dá clara prioridade ao primeiro aspecto, em especial por meio do riquíssimo conceito do “corpo de Cristo”. No entanto, fica claro que a igreja não poderia existir concretamente no mundo, na sociedade humana, sem elementos externos que dessem expressão às realidades internas. A questão é como se estabelece o adequado equilíbrio entre as duas dimensões.


Ministros e fiéis
Uma discussão paralela que atravessa os séculos é sobre onde está localizada primariamente a igreja: no clero, a classe ministerial, ou nos fiéis, o povo cristão. Novamente, o peso da evidência do cristianismo apostólico pende para a comunidade de fé como a principal definidora da igreja. Como afirma Roger Olson, um historiador da teologia, “a igreja é o povo de Deus, fundada pelo próprio Cristo para ser a comunidade do Espírito e a antecipação do seu reino futuro”. É óbvio que o ministério ordenado é importante: o próprio Senhor concedeu à sua igreja “apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres”. No entanto, esses líderes não são em si mesmos a igreja -- eles fazem parte da igreja ao lado dos demais fiéis, devendo exercer os seus ofícios para a edificação do corpo de Cristo.

O Credo Apostólico é um testemunho valioso sobre o sentido mais profundo dessa realidade quando, após referir-se ao Espírito e à Igreja, menciona a “comunhão dos santos” como um artigo fundamental da fé. A “communio sanctorum” -- o vínculo de convicções compartilhadas, solidariedade e amor que caracteriza os verdadeiros cristãos -- só pode ser produzida pelo Espírito Santo e se constitui na expressão mais sublime e profunda do que é a igreja. Apontam nessa direção as principais metáforas aplicadas pelo Novo Testamento à comunidade cristã, tais como família, rebanho e edifício de Deus.


Marcas distintivas
O Credo “Niceno”, formulado pelo Concílio de Constantinopla no ano 381, atribuiu à igreja quatro famosos qualificativos: una, santa, católica e apostólica. Em seu sentido mais pleno, ou seja, espiritual, há somente uma verdadeira igreja, o corpo místico de Cristo, a comunhão de todos os que nele creem em todo o mundo. Essa comunhão, embora se expresse em formas exteriores, ao mesmo tempo as transcende. A igreja é santa, isto é, separada para Deus a fim de ser o lugar de sua habitação na terra. Essa santidade se expressa não somente na conduta ética, mas também por seu foco espiritual em Deus e unicamente nele.

A catolicidade da igreja significa que ela existe acima das barreiras de etnia, nacionalidade e cultura. Confissões particulares, organizações e congregações locais são manifestações da igreja universal, mas nunca a própria igreja. Seu valor está no serviço a Cristo como parcelas do seu corpo mais amplo. Por fim, a igreja é apostólica, ou seja, está em continuidade com a fé e a experiência dos apóstolos de Jesus Cristo, e só se faz presente quando o evangelho proclamado pelos apóstolos é preservado e pregado com integridade.

Seguindo o pensamento de João Calvino, a tradição reformada fala das “marcas” pelas quais a igreja visível pode ser reconhecida como verdadeira. Elas não simplesmente descrevem a igreja ou apontam para ela, mas possuem um caráter mais dinâmico, constitutivo. A verdadeira igreja está presente quando nela, em primeiro lugar, ocorre a legítima pregação da Palavra. A fidelidade e submissão à Escritura é uma característica essencial da igreja. A outra marca distintiva e fundamental é a correta administração dos sacramentos claramente instituídos por Cristo, que são o batismo e a Ceia do Senhor, testemunhos valiosos da sua salvação.


Conclusão
A despeito de toda a ênfase dada aos aspectos espirituais e interiores da igreja, não se deve desprezar ou subestimar a sua dimensão visível e estrutural, indispensável na vida em sociedade. Extremamente informal nos seus primeiros tempos (como era de se esperar), o cristianismo assumiu crescente complexidade institucional ao longo dos séculos. Existe um lugar legítimo para o desenvolvimento histórico na vida da igreja, visto que a história humana não é estática, mas dinâmica. Sem um ministério qualificado e reconhecido, sem atividades formais de culto e formação cristã, sem o exercício legítimo da autoridade e da disciplina, entre outros fatores, a igreja simplesmente não poderia existir neste mundo.

Todavia, tendo dito isto, é imprescindível acrescentar que as formas e expressões exteriores da igreja, quaisquer que sejam, somente são legítimas na medida em que manifestam com fidelidade a natureza espiritual da comunidade cristã, o seu compromisso primordial com Cristo e sua palavra, a comunhão de fé e amor entre os discípulos do Senhor. Que os cristãos aprendam a valorizar a igreja, aquela que, no dizer dos reformadores do século 16, é nossa “mãe e mestra”, pois nos gera espiritualmente pelo anúncio do evangelho e nos alimenta e conduz pelos caminhos de Deus ao longo da vida, até a consumação.



• Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e “Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil”. asdm@mackenzie.com.br

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