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terça-feira, 11 de maio de 2010

VOCABULÁRIO MARINA


Depois de transformar a questão ambiental em tema obrigatório na campanha, a pré-candidata do PV à Presidência, Marina Silva, tenta promover uma pequena revolução no vocabulário eleitoral.


Em discursos e palestras pelo país, ela tem surpreendido ao recitar expressões estranhas ao dicionário político, como "problemas multicêntricos" e "desadaptação criativa".


A senadora jura não inventar nada, mas reconhece ter dado um sentido particular a alguns verbetes. Um de seus hits é "transversalidade", criado no tempo de ministra do Meio Ambiente e adotado pelos assessores mais próximos.


A "tradução'', como em outros casos, parece mais complicada do que a própria palavra. "Esta era muito usada por mim e por minha equipe para mostrar que a gente precisa de um conhecimento que seja transversal, com uma interação que seja transdisciplinar", explica.


No ABC do "marinês", índios e ribeirinhos da Amazônia são sinônimo de "povos da floresta". Causas que todo político diz apoiar e que nunca saem do papel, como a reforma tributária, viram "consensos ocos". Ou, numa variação mais dramática, para reforçar a ideia de paralisia: "ocos e congelados".


Algumas expressões parecem pedir a tecla SAP para serem decifradas pelo eleitor. Um exemplo muito usado: "Precisamos construir uma aliança intergeracional com compromisso ético". Em linguagem corrente, significaria que ela quer atrair pessoas de todas as idades e honestas.


Ao justificar o fato de ter entrado na disputa a bordo de uma legenda pequena e isolada, ela costuma se dizer à frente de um "movimento transpartidário". Nesse caso, a tradução seria que sua candidatura não se limita aos filiados ao PV.


Outro hábito dela é dizer que a realidade está "grávida de múltiplas respostas". Desta vez, o truque serve como desculpa para driblar perguntas difíceis. Algo como: "Não há respostas prontas para tudo".


Questionada pela Folha sobre a etimologia de seu vernáculo, que às vezes lembra o "do-in antropológico" do colega de partido e também ex-ministro Gilberto Gil, ela invocou raízes acadêmicas. "Essas palavras não foram criadas nem inventadas por mim", garantiu.


"Desadaptação criativa é uma expressão usada por um psicanalista argentino. Acho que tem tudo a ver com o contexto das transformações que o Brasil e o mundo precisam em relação a fazer novas perguntas para obter novas respostas."


O termo é citado sempre que Marina menciona a necessidade de mudança nos hábitos de consumo para evitar o esgotamento de recursos naturais.


"Se a gente não tivesse se desadaptado de usar asrodas apenas puxadas por bois ou cavalos, até hoje estaríamos andando de carroça", explica.


Ela gosta de dizer ainda que o mundo está diante de uma "inflexão civilizatória", ou seja, ficando mais civilizado.


As falas também reciclam termos da cartilha ambiental, como a "descarbonização" da economia. A tradução é simples: a senadora defende um modelo de produção que reduza a emissão de gases-estufa.


"Descarbonização é um termo utilizado no âmbito da convenção de mudanças climáticas", explica. "Mas aos poucos vai fazendo parte do repertório de grupos sociais, de vários segmentos da sociedade."


Marina diz já ter ouvido uma observação semelhante na rua sobre seu vocabulário: "Uma vez, um estudante brincou comigo, sugerindo que talvez fosse necessário fazer um glossário dessas expressões todas. Não seria de todo ruim".


Mas ressalva: "As pessoas, diferentemente do que se pensa, compreendem o que se diz dentro de um contexto. E eu procuro usar sempre as palavras dentro de um contexto".


Folha

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