Por: Wilbur (Gilberto) Norman Pickering, ThM PhD
A Inspiração do Texto Sagrado é uma qualidade intrínseca—ela é porque é. No entanto, nós podemos perceber essa qualidade inerente, comparando material inspirado com outro que não é. Existem também argumentos outros:
1) a unidade da Bíblia—embora escrita por muitos autores humanos diferentes (pelo menos 30), no decorrer de 2.000 anos e em duas (principais) línguas bem distintas (hebraico e grego), ela é coerente, não se contradiz;
2) profecias específicas e detalhadas, até com o nome próprio da pessoa, dadas com centenas de anos de antecedência, que se cumpriram cabalmente, literalmente;
3) a própria natureza do conteúdo ou da mensagem—não é o tipo de coisa que o homem gostaria de escrever, mesmo que pudesse, e nem que ele poderia escrever, mesmo que quisesse;
4) o efeito que produz—a Bíblia tem poder sobrenatural, pois sua mensagem transforma as vidas das pessoas. Dito tudo, no entanto, devemos reconhecer que afirmarmos a inspiração divina da Bíblia é uma declaração de fé—fé inteligente e que condiz com as evidências, mas fé (não ciência no sentido objetivo).
Contudo, existe a questão (aguda) da canonicidade do Texto: porque a nossa Bíblia tem o exato sortimento de livros que tem—não mais, não menos e não outros? A inspiração diz respeito à ação divina no ato de escrever o material, garantindo o resultado. Já a canonização do Texto diz respeito à ação humana, reconhecendo a qualidade divina daquele material. Esse processo de reconhecimento se deu no seio da comunidade da Fé—a comunidade hebraica, quanto ao A.T., e a comunidade cristã, quanto ao N.T. É importante observar que o próprio Senhor Jesus Cristo abonou o A.T., citando as diversas seções (Lei, história, profecia, poesia) como Palavra de Deus, coisa sagrada e de autoridade—os autores humanos do N.T. também. O A.T. era exatamente a Bíblia deles. Agora, a canonização tem tudo a ver com a preservação do Texto. Pois, a comunidade da Fé só iria se preocupar em transmitir e proteger os livros "canônicos", tidos como inspirados. A parte humana na transmissão do Texto fica patente, mas será que houve ação divina também, protegendo o Texto (a exata redação do Texto)? E como medir essa participação divina? Parece-me existir duas linhas relevantes, a lógica e a histórica. Vejamos primeiro a lógica.
Inspiração é resultado ou qualidade da Revelação—com essa linguagem estamos afirmando que o Criador achou por bem transmitir alguma informação objetiva à raça humana. Se o alvo fosse apenas um determinado indivíduo ou grupo, num certo momento histórico, bastaria uma palavra falada. Mas se o alvo foi de alcançar as gerações subseqüentes também, então o meio indicado seria exatamente o escrito, como foi. Agora, se o Criador quis que Sua revelação chegasse intacta, ou pelo menos de forma íntegra e confiável, até o século vinte, fatalmente teria que vigiar o processo da transmissão através dos séculos. Teria que proibir a perda irrecuperável de qualquer parte genuína, bem como a inserção indetectável de material espúrio. A redação original deveria ficar disponível, em qualquer geração, às pessoas interessadas o suficiente para pagarem o preço necessário (tempo, viagem, dinheiro) para haver essa redação. (No geral as pessoas se dariam por satisfeitas com a redação à mão, desde que tida por confiável.) Assim sendo, a pessoa que crê na divina inspiração do N.T., por exemplo, deve crer também na divina preservação do N.T. —é questão de lógica. Mas, e as evidências históricas—elas sustentam nossa expectativa, ou a desmentem?
Passo a alistar os argumentos históricos mais relevantes para iluminar esta questão. (Uma discussão detalhada se encontra na minha página web www.esgm.org no livro Qual o Texto Original do Novo Testamento?)
01) Os próprios autores humanos sabiam que estavam escrevendo "Bíblia", ou coisa autoritária.
02) Seus colegas, contemporâneos, também reconheceram que estavam escrevendo "Bíblia".
03) Os líderes cristãos do 1º século e do 2º século (e 3º, 4º, etc.) utilizaram e citaram material neotestamentário lado a lado com material do A.T. como sendo Palavra de Deus.
04) Entendendo, como entenderam, que estavam lidando com coisa sagrada, iriam zelar por essa Palavra, vigiando o processo da transmissão.
05) Dispomos de declarações cabais dessa preocupação a partir do próprio N.T. (Apoc. 22:18-19).
06) Justino Mártir (a. 150 DC) escreveu que era costume nas congregações cristãs, quer na cidade quer no campo, ler tanto o N.T. como o A.T. cada domingo.
07) Resulta dali que tinham que existir cópias, muitas cópias (não se pode ler sem livro), e teriam que ser cópias boas (os usuários seriam exigentes).
08) Embora o processo de copiar a mão resulte em erros sem querer, muitas vezes, no início seria possível verificar qualquer cópia contra o Autógrafo (documento original), e principalmente nas regiões mais próximas da igreja detentora do Autógrafo.
09) Tudo indica que pelo menos 18 e talvez até 24 dos 27 Autógrafos (2/3 a 8/9) se encontravam na região Egéia (Grécia e Ásia Menor).
10) Foi exatamente nessa área que a Igreja mais prosperou, e ela se tornou o eixo da Igreja até o 4º século (pelo menos) (lembrar que Jerusalém foi saqueada em 70 DC, e provavelmente quaisquer Autógrafos ali existentes foram levados para a Antioquia, ou ainda mais longe).
11) Foi também nessa área que a língua Grega foi mais usada, e durante mais tempo—foi língua oficial do império bizantino (transmissão exata de qualquer texto é possível unicamente na língua original).
12) A Ásia Menor foi caracterizada também por uma mentalidade conservadora quanto ao Texto Sagrado; na Antioquia surgiu uma "escola" de interpretação literalista (por formação um literalista é obrigado a se preocupar com a exata redação do texto, pois sua interpretação se prende a ela).
13) Quer dizer, até o ano 300 tinha um fluxo cada vez maior de cópias boas, fidedignas emanando da região Egéia para o mundo cristão, precisamente porque aquela região reunia todos os requisitos para se impor à confiança da Igreja, quanto ao Texto Sagrado (em contraste, no Egito a igreja era fraca, herética, não se usava Grego, não havia nenhum Autógrafo [fatalmente o texto ali existente sempre seria de 2ª mão, no mínimo], grassava uma mentalidade alegorista—em fim, o Egito seria um dos últimos lugares onde procurar um texto bom).
14) Aí houve a campanha de Diocleciano (303), visando destruir os MSS do N.T. Sendo que a perseguição mais ferrenha se deu exatamente na região Egéia, teria sido uma oportunidade perfeita para os tipos de texto existentes no Egito e na Itália conquistarem espaço maior no fluxo da transmissão do Texto, fossem considerados aceitáveis ou viáveis. Mas não aconteceu; os grandes pergaminhos À, B e D não têm "filhos"—ninguém quis copiar semelhante texto.
15) Aliás, podemos deduzir que a campanha de Diocleciano teve um efeito purificador na transmissão. A grosso modo, os MSS menos preciosos e respeitados seriam os primeiros a serem entregues à destruição; já os exemplares mais cotados e respeitados seriam protegidos a qualquer custo, e uma vez que a perseguição passou serviriam de base para suprir as igrejas com cópias boas novamente. O movimento Donatista girou em torno da punição merecida pelas pessoas que entregaram seus MSS (entre outras coisas). Obviamente muitos não entregaram, e os que sim entregaram foram discriminados.
16) É geralmente reconhecido por eruditos de todas as linhas teóricas que a partir do 4º século o fluxo da transmissão do Texto foi tranqüilamente dominado por um tipo de texto, geralmente conhecido por "Bizantino" em nossos dias. "Bizantino" porque esse império abrangeu exatamente a região Egéia, a região que reunia todas as qualificações necessárias para garantir a transmissão fiel do Texto. Até hoje as "Igrejas Ortodoxas" do oriente utilizam esse tipo de texto.
17) Lá pelo 9º século houve um "movimento" (parece que foi mais ou menos espontâneo) no sentido de mudar o estilo de grafia de letras maiúsculas (unciais) para cursivas (minúsculas). Os exemplares antigos eram copiados na nova "roupagem" e aparentemente grande número desses antigos foram destruídos ou reciclados (daí os "palimpsestos").
18) Dos MSS gregos existentes hoje (do N.T.), uns 95% trazem o texto "Bizantino" e os outros 5% são um tanto heterogêneos (o erudito Frederic Wisse fez uma comparação minuciosa de 1.386 MSS gregos nos capítulos 1, 10 e 20 de Lucas e chegou à conclusão de que apenas oito deles representavam o tipo de texto egípcio, geralmente chamado "Alexandrino" em nossos dias—oito contra 1.375!!!).
Cabem aqui algumas ressalvas.
01) A mera antiguidade dum MS não garante nada quanto a sua qualidade. Aliás, devemos perguntar: como poderia um MS sobreviver fisicamente durante mais de 1.500 anos? Teria que ficar no desuso e ainda num clima seco. Como todos os MSS mais antigos estão cheios de erros cabais, tudo indica que foram reprovados no seu tempo—certo é que não foram copiados, a julgar pelos MSS existentes.
02) Como é que não dispomos de MS tipicamente "Bizantino" de antes do 5º século? Qualquer MS digno de uso seria usado e gasto por esse uso (eu sozinho já desgastei várias Bíblias). Assim, seria estranho encontrar um MS bom com tanta idade. Os MSS fidedignos foram intensamente usados e copiados, e acabados, mas o texto (ou redação) que traziam foi preservado através das sucessivas gerações de cópias.
03) A idéia de que teria havido um congresso ou concílio no 4º século que "normalizou" o texto do N.T. carece de qualquer sustentação histórica. No caso da Vulgata Latina, que na hipótese seria análogo (o papa tentou impor a nova tradução), não resultou o consenso que existe entre os MSS "Bizantinos".
04) Como é que a grande maioria dos eruditos dos últimos cem anos tem preferido o texto "Alexandrino" e desprezado o texto "Bizantino"? A resposta está nas pressuposições e no terreno espiritual (por exemplo, nenhum dos cinco redatores responsáveis pelo texto eclético ora em voga acredita que o N.T. seja inspirado por Deus, e o próprio Senhor Jesus adverte que a neutralidade no terreno espiritual não existe [Lc. 11:23]).
Resumindo, os livros neotestamentários foram reconhecidos como "Bíblia" desde o início, e através das décadas e dos séculos as gerações sucessivas de crentes zelaram pela transmissão fiel desses livros. O Texto nunca se "perdeu"; nos primeiros 200 anos era sempre possível constatar a exata redação de qualquer livro. A preservação divina operou durante os séculos todos de tal modo que ainda hoje podemos ter certeza razoável, com base em critérios objetivos, da exata redação original do N.T., creio. Creio estar em condições, eu mesmo, de definir pelo menos 99,95% da redação original, hoje. As dúvidas que restam podemos dirimir a partir de uma comparação minuciosa de todos os MSS existentes (tarefa ainda por fazer).
E daí? Daí, uma preservação tamanha, uma preservação semelhante, abrangendo tantos séculos de transmissão a mão, e passando por tantas tribulações—uma preservação assim é simplesmente miraculosa. é uma prova aparente da atuação divina, que vale dizer também que Deus abonou a escolha da Igreja, o Cânon. Ao meu ver, o argumento mais contundente e convincente a favor do exato Cânon que a Igreja vem defendendo através dos séculos é exatamente a preservação miraculosa desse Cânon. Essa preservação é igualmente um forte argumento a favor da inspiração do Texto. É o argumento lógico. Se o Criador fosse dar uma revelação a nossa raça, deveria também preservá-la. Constatamos que Ele a preservou, com efeito. Porque Ele cuidou tanto de preservar esse Texto, e só esse Texto? Presumivelmente porque Ele tinha interesse especial nesse Texto.
Conclusão: Eu, pelo menos, não hesito em afirmar que podemos confiar no exato Cânon que recebemos como herança da comunidade da Fé através dos séculos. Assim faço por entender que o próprio Criador, mediante a Sua preservação singular, tanto abona como garante esse Cânon.
Contudo, existe a questão (aguda) da canonicidade do Texto: porque a nossa Bíblia tem o exato sortimento de livros que tem—não mais, não menos e não outros? A inspiração diz respeito à ação divina no ato de escrever o material, garantindo o resultado. Já a canonização do Texto diz respeito à ação humana, reconhecendo a qualidade divina daquele material. Esse processo de reconhecimento se deu no seio da comunidade da Fé—a comunidade hebraica, quanto ao A.T., e a comunidade cristã, quanto ao N.T. É importante observar que o próprio Senhor Jesus Cristo abonou o A.T., citando as diversas seções (Lei, história, profecia, poesia) como Palavra de Deus, coisa sagrada e de autoridade—os autores humanos do N.T. também. O A.T. era exatamente a Bíblia deles. Agora, a canonização tem tudo a ver com a preservação do Texto. Pois, a comunidade da Fé só iria se preocupar em transmitir e proteger os livros "canônicos", tidos como inspirados. A parte humana na transmissão do Texto fica patente, mas será que houve ação divina também, protegendo o Texto (a exata redação do Texto)? E como medir essa participação divina? Parece-me existir duas linhas relevantes, a lógica e a histórica. Vejamos primeiro a lógica.
Inspiração é resultado ou qualidade da Revelação—com essa linguagem estamos afirmando que o Criador achou por bem transmitir alguma informação objetiva à raça humana. Se o alvo fosse apenas um determinado indivíduo ou grupo, num certo momento histórico, bastaria uma palavra falada. Mas se o alvo foi de alcançar as gerações subseqüentes também, então o meio indicado seria exatamente o escrito, como foi. Agora, se o Criador quis que Sua revelação chegasse intacta, ou pelo menos de forma íntegra e confiável, até o século vinte, fatalmente teria que vigiar o processo da transmissão através dos séculos. Teria que proibir a perda irrecuperável de qualquer parte genuína, bem como a inserção indetectável de material espúrio. A redação original deveria ficar disponível, em qualquer geração, às pessoas interessadas o suficiente para pagarem o preço necessário (tempo, viagem, dinheiro) para haver essa redação. (No geral as pessoas se dariam por satisfeitas com a redação à mão, desde que tida por confiável.) Assim sendo, a pessoa que crê na divina inspiração do N.T., por exemplo, deve crer também na divina preservação do N.T. —é questão de lógica. Mas, e as evidências históricas—elas sustentam nossa expectativa, ou a desmentem?
Passo a alistar os argumentos históricos mais relevantes para iluminar esta questão. (Uma discussão detalhada se encontra na minha página web www.esgm.org no livro Qual o Texto Original do Novo Testamento?)
01) Os próprios autores humanos sabiam que estavam escrevendo "Bíblia", ou coisa autoritária.
02) Seus colegas, contemporâneos, também reconheceram que estavam escrevendo "Bíblia".
03) Os líderes cristãos do 1º século e do 2º século (e 3º, 4º, etc.) utilizaram e citaram material neotestamentário lado a lado com material do A.T. como sendo Palavra de Deus.
04) Entendendo, como entenderam, que estavam lidando com coisa sagrada, iriam zelar por essa Palavra, vigiando o processo da transmissão.
05) Dispomos de declarações cabais dessa preocupação a partir do próprio N.T. (Apoc. 22:18-19).
06) Justino Mártir (a. 150 DC) escreveu que era costume nas congregações cristãs, quer na cidade quer no campo, ler tanto o N.T. como o A.T. cada domingo.
07) Resulta dali que tinham que existir cópias, muitas cópias (não se pode ler sem livro), e teriam que ser cópias boas (os usuários seriam exigentes).
08) Embora o processo de copiar a mão resulte em erros sem querer, muitas vezes, no início seria possível verificar qualquer cópia contra o Autógrafo (documento original), e principalmente nas regiões mais próximas da igreja detentora do Autógrafo.
09) Tudo indica que pelo menos 18 e talvez até 24 dos 27 Autógrafos (2/3 a 8/9) se encontravam na região Egéia (Grécia e Ásia Menor).
10) Foi exatamente nessa área que a Igreja mais prosperou, e ela se tornou o eixo da Igreja até o 4º século (pelo menos) (lembrar que Jerusalém foi saqueada em 70 DC, e provavelmente quaisquer Autógrafos ali existentes foram levados para a Antioquia, ou ainda mais longe).
11) Foi também nessa área que a língua Grega foi mais usada, e durante mais tempo—foi língua oficial do império bizantino (transmissão exata de qualquer texto é possível unicamente na língua original).
12) A Ásia Menor foi caracterizada também por uma mentalidade conservadora quanto ao Texto Sagrado; na Antioquia surgiu uma "escola" de interpretação literalista (por formação um literalista é obrigado a se preocupar com a exata redação do texto, pois sua interpretação se prende a ela).
13) Quer dizer, até o ano 300 tinha um fluxo cada vez maior de cópias boas, fidedignas emanando da região Egéia para o mundo cristão, precisamente porque aquela região reunia todos os requisitos para se impor à confiança da Igreja, quanto ao Texto Sagrado (em contraste, no Egito a igreja era fraca, herética, não se usava Grego, não havia nenhum Autógrafo [fatalmente o texto ali existente sempre seria de 2ª mão, no mínimo], grassava uma mentalidade alegorista—em fim, o Egito seria um dos últimos lugares onde procurar um texto bom).
14) Aí houve a campanha de Diocleciano (303), visando destruir os MSS do N.T. Sendo que a perseguição mais ferrenha se deu exatamente na região Egéia, teria sido uma oportunidade perfeita para os tipos de texto existentes no Egito e na Itália conquistarem espaço maior no fluxo da transmissão do Texto, fossem considerados aceitáveis ou viáveis. Mas não aconteceu; os grandes pergaminhos À, B e D não têm "filhos"—ninguém quis copiar semelhante texto.
15) Aliás, podemos deduzir que a campanha de Diocleciano teve um efeito purificador na transmissão. A grosso modo, os MSS menos preciosos e respeitados seriam os primeiros a serem entregues à destruição; já os exemplares mais cotados e respeitados seriam protegidos a qualquer custo, e uma vez que a perseguição passou serviriam de base para suprir as igrejas com cópias boas novamente. O movimento Donatista girou em torno da punição merecida pelas pessoas que entregaram seus MSS (entre outras coisas). Obviamente muitos não entregaram, e os que sim entregaram foram discriminados.
16) É geralmente reconhecido por eruditos de todas as linhas teóricas que a partir do 4º século o fluxo da transmissão do Texto foi tranqüilamente dominado por um tipo de texto, geralmente conhecido por "Bizantino" em nossos dias. "Bizantino" porque esse império abrangeu exatamente a região Egéia, a região que reunia todas as qualificações necessárias para garantir a transmissão fiel do Texto. Até hoje as "Igrejas Ortodoxas" do oriente utilizam esse tipo de texto.
17) Lá pelo 9º século houve um "movimento" (parece que foi mais ou menos espontâneo) no sentido de mudar o estilo de grafia de letras maiúsculas (unciais) para cursivas (minúsculas). Os exemplares antigos eram copiados na nova "roupagem" e aparentemente grande número desses antigos foram destruídos ou reciclados (daí os "palimpsestos").
18) Dos MSS gregos existentes hoje (do N.T.), uns 95% trazem o texto "Bizantino" e os outros 5% são um tanto heterogêneos (o erudito Frederic Wisse fez uma comparação minuciosa de 1.386 MSS gregos nos capítulos 1, 10 e 20 de Lucas e chegou à conclusão de que apenas oito deles representavam o tipo de texto egípcio, geralmente chamado "Alexandrino" em nossos dias—oito contra 1.375!!!).
Cabem aqui algumas ressalvas.
01) A mera antiguidade dum MS não garante nada quanto a sua qualidade. Aliás, devemos perguntar: como poderia um MS sobreviver fisicamente durante mais de 1.500 anos? Teria que ficar no desuso e ainda num clima seco. Como todos os MSS mais antigos estão cheios de erros cabais, tudo indica que foram reprovados no seu tempo—certo é que não foram copiados, a julgar pelos MSS existentes.
02) Como é que não dispomos de MS tipicamente "Bizantino" de antes do 5º século? Qualquer MS digno de uso seria usado e gasto por esse uso (eu sozinho já desgastei várias Bíblias). Assim, seria estranho encontrar um MS bom com tanta idade. Os MSS fidedignos foram intensamente usados e copiados, e acabados, mas o texto (ou redação) que traziam foi preservado através das sucessivas gerações de cópias.
03) A idéia de que teria havido um congresso ou concílio no 4º século que "normalizou" o texto do N.T. carece de qualquer sustentação histórica. No caso da Vulgata Latina, que na hipótese seria análogo (o papa tentou impor a nova tradução), não resultou o consenso que existe entre os MSS "Bizantinos".
04) Como é que a grande maioria dos eruditos dos últimos cem anos tem preferido o texto "Alexandrino" e desprezado o texto "Bizantino"? A resposta está nas pressuposições e no terreno espiritual (por exemplo, nenhum dos cinco redatores responsáveis pelo texto eclético ora em voga acredita que o N.T. seja inspirado por Deus, e o próprio Senhor Jesus adverte que a neutralidade no terreno espiritual não existe [Lc. 11:23]).
Resumindo, os livros neotestamentários foram reconhecidos como "Bíblia" desde o início, e através das décadas e dos séculos as gerações sucessivas de crentes zelaram pela transmissão fiel desses livros. O Texto nunca se "perdeu"; nos primeiros 200 anos era sempre possível constatar a exata redação de qualquer livro. A preservação divina operou durante os séculos todos de tal modo que ainda hoje podemos ter certeza razoável, com base em critérios objetivos, da exata redação original do N.T., creio. Creio estar em condições, eu mesmo, de definir pelo menos 99,95% da redação original, hoje. As dúvidas que restam podemos dirimir a partir de uma comparação minuciosa de todos os MSS existentes (tarefa ainda por fazer).
E daí? Daí, uma preservação tamanha, uma preservação semelhante, abrangendo tantos séculos de transmissão a mão, e passando por tantas tribulações—uma preservação assim é simplesmente miraculosa. é uma prova aparente da atuação divina, que vale dizer também que Deus abonou a escolha da Igreja, o Cânon. Ao meu ver, o argumento mais contundente e convincente a favor do exato Cânon que a Igreja vem defendendo através dos séculos é exatamente a preservação miraculosa desse Cânon. Essa preservação é igualmente um forte argumento a favor da inspiração do Texto. É o argumento lógico. Se o Criador fosse dar uma revelação a nossa raça, deveria também preservá-la. Constatamos que Ele a preservou, com efeito. Porque Ele cuidou tanto de preservar esse Texto, e só esse Texto? Presumivelmente porque Ele tinha interesse especial nesse Texto.
Conclusão: Eu, pelo menos, não hesito em afirmar que podemos confiar no exato Cânon que recebemos como herança da comunidade da Fé através dos séculos. Assim faço por entender que o próprio Criador, mediante a Sua preservação singular, tanto abona como garante esse Cânon.
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