Goppelt é enfático ao afirmar: “Sem dúvida, o batismo dos discípulos era como o de João, um batismo de arrependimento para a remissão dos pecados, isto é, um banho de água que purificava de tudo o que ocorrera até então e que propiciava perdão e arrependimento”.[1]
Kúmmel demonstra ter a mesma compreensão:
Contudo, pode-se dizer, com grande probabilidade, que o batismo era compreendido como um sacramento relacionado com o iminente juízo final, o qual equipava e purificava a pessoa que se arrependia e se deixava batizar por João, para que assim pudesse subsistir diante do juízo final.[2]
Além da opinião destes eminentes teólogos, F. F. Bruce, também faz uma observação muito própria aqui: “Ensinava João que o batismo era aceitável a Deus desde que lhe sujeitassem não com vistas à remissão de certos pecados apenas, mas à purificação do corpo, se a alma já estivesse purificada pela justiça”.[3]
Assim, a Teologia tem a compreensão de que era como um símbolo de purificação que os contemporâneos do Batista entendiam o seu rito. As pessoas iam até João porque viam no uso que o mesmo fazia da água um símbolo do lavamento de suas impurezas. Usavam a água cerimonialmente para se purificarem como os seus antepassados sempre a usaram.
As escrituras têm um texto-chave para confirmar este entendimento, é o seguinte:
Μετά ταύτα ήλθεν ό ’Іησούς καί οί μαθηταί αύτού είς τήν ’Ιοδαίαν γήν καί έκεί διέτριβεν μετ’ αύτών καί έβάπτιζεν. ήν δέ καί ό ’Ιωάννης βαπτίζων έν Aίνών έγγύς τού Σαλείμ, ότι ύδατα πολλά ήν έκέί, καί παρεγίνοντο καί έβαπτιζοντο· ούπω γάρ ήν βεβλημένος είς τήν φυλακήν ό ’Ιωάννης. ’Εγένετο ούν ζήτησις έκ τών μαθητών ’Ιωάννου μετά ’Ιουδαίου[4] περί καθαρισμού (Jo. 3:22-25, grifo meu).
(Tradução) Depois disso Jesus foi com os seus discípulos para a terra da Judéia, onde passou algum tempo com eles e batizava. João também estava batizando em Enom, perto de Salim, porque havia ali muitas águas, e o povo vinha para ser batizado. (Isto se deu antes de João ser preso.) Surgiu uma discussão entre alguns discípulos de João e um certo judeu, a respeito da purificação cerimonial (NVI, grifo meu).
A passagem é clara e didática facilitando assim a interpretação. O evangelista começa falando da atividade batismal paralela entre João e os discípulos de Jesus (22-14) (cf. Jo. 4: 1), em seguida desenvolve sua narrativa dizendo que após a observação desta prática batismal, por um judeu, deu-se origem a uma discussão acerca da purificação (25). A um observador atento surge logo uma pergunta: Por que a discussão se dá em torno da purificação, se o que o judeu observou foram batismos? A resposta é lógica, e é a razão do escritor João ter registrado o episódio, ele quer mostrar como os batismos observados por este judeu eram entendidos. Para este homem o batismo joanino (como o dos discípulos de Cristo) era um rito de purificação, assim como os ritos purificadores que o povo judeu praticava a tanto tempo, e que estavam prescritos na Lei de Moisés. E assim, este entendimento do batismo, reforça a tese de que a origem do mesmo está nos rituais feitos com água pelos judeus e estabelecidos na tradição judaica.
Deve-se destacar na passagem citada, para aprofundar a compreensão acima, o termo καθαρισμού (katharismoú) [5] (genitivo de καθαρισμός (katharismós)) usado no verso 25. Este judeu ficou com uma dúvida ao observar João batizando acerca da καθαρισμού. Xavier Leon Dufour assim comenta o caso:
Situa-se uma discussão a propósito de “purificação”. Com esse termo (katharismós), escolhido preferencialmente ao de “batismo”, que se poderia esperar em virtude do contexto imediato, João sugere provavelmente que a controvérsia se dá quanto ao valor purificador do batismo, o único que os judeus conheciam: o rito praticado por Jesus é ou não mais eficaz que o de João? [6]
E Johan Konings é mais direto e claro em suas observações sobre a mesma passagem:
Os discípulos de João (representando um grupo minoritário dentro do judaísmo dominante) se envolvem numa discussão sobre “purificação” (equivalente a “batismo na terminologia judaica). Talvez interpretassem a atividade batismal de Jesus como sinal de missão escatológica, messiânica. Os profetas falam do batismo ou purificação com “espírito” (cf. Jl 3; 1; Is. 32: 15; 44: 3; Ez. 39:29) e mesmo com fogo (Is. 1: 25; 4: 4, etc.). Mt. 3: 8 mostra que isso se esperava também para o tempo do Messias. Quem batiza legitimamente, Jesus ou João? Qual dos dois é o enviado escatológico (cf. Jo. 1: 19-27): Em qual deles acreditar? [7]
É cristalina a compreensão dos contemporâneos do Batista, segundo o texto analisado, do seu rito batismal como significando uma purificação simbólica. Berkhof também afirma que a idéia de purificação era algo pertinente a todos os batismos do Antigo Testamento, e também ao batismo de João. [8] O Batista realmente não introduziu uma novidade no seu tempo, veio fazendo algo que os seus contemporâneos já praticavam e que continuaram interpretando como sinal de purificação. O batismo de João está, pois, na linha das purificações judaicas do Antigo Testamento, e era assimilado como tal na sociedade da época.
[1] Teologia do Novo Testamento, p. 262 (Grifos dele sublinhados meus).
[2] Síntese Teológica do Novo Testamento, p. 49 (Grifo meu). Pela fraseologia usada parece que J. Jeremias também entende o batismo joanino como tendo o significado de purificação, ver: Teologia do Novo Testamento, p. 74. E também GOPPELT L. Leonhard. Teologia do Novo Testamento, p. 76.
[3] Merece Confiança o Novo Testamento? p. 139 (Grifo meu).
[4] Ambos ’Ιουδαίου e ’Ιουδαίων são leituras antigas, e tem um suporte dividido. Por exemplo: μετά ’Ιουδαίου é encontrado no papiro P 75, e em manuscritos tais como: א2 A B L Wsupp A Ψ etc. Já μετά ’Ιουδαίων encontra-se em P66 א * G θ 0141, etc. Bruce M. Metzger diz que é mais provável que o singular tenha sido trocado por ser mais costumeiro o uso do plural. Ver: A Textual Commentary on the Greek New Testament, p. 315; também o aparato crítico
[5] “O termo Katharismós designa um ato cultual produzindo a purificação do pecado (Ef 5,26; 2Pd 1,9; cf. 2,6)”. LEON – DUFOUR, Xaxier. Leitura do Evangelho Segundo João (I), p. 248, nota 88. Ver também: RUSCONI, Carlo. Dicionário do Grego do Novo Testamento, p. 241.
[6] Leitura do Evangelho Segundo João (I), p. 248 (Grifos dele). “O judeu, fosse amigo ou inimigo de Jesus, sem dúvida havia se informado que as multidões estavam recebendo o batismo da parte do Senhor; e esta informação levou a uma discussão sobre a origem e a significação do rito como símbolo de purificação. Teria Jesus o mesmo que João, o direito de administrá-lo? Se era assim. Significaria o mesmo administrado por João quando era administrado por Jesus? Ou seria seu valor maior neste caso que naquele”. HOVEY, Alvah. O Evangelho Segundo João, p.142 (Grifos meus).
[7] Evangelho Segundo João, p. 120 (Grifos meus).
[8] Teologia Sistemática, p. 751.
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